Competências em tempos de Internet (2)

Por Rubens Queiroz de Almeida

Data de Publicação: 05 de Junho de 2007

Eu me formei em Engenharia Elétrica em 1983. Eram tempos muito difíceis, durante o mandato do último presidente da ditadura militar, João Batista de Figureiredo. Nenhum formando conseguia emprego. Da minha turma, a maioria foi fazer pós-graduação, outros tantos fizeram concursos públicos para fiscal disto e daquilo, uns dois conseguiram emprego na área de formação, e eu fui dar aulas de inglês.

Engenheiros constroem coisas. Se o país não cresce, engenheiro não trabalha. Fiquei um ano e meio, depois de formado, trabalhando como professor de inglês. Encontrava os meus colegas de faculdade na rua. Nós tínhamos um ditado: é melhor andar a toa do que ficar a toa. Se você anda a toa, pode ser que encontre uma oportunidade. Ficar a toa, dentro de casa, vendo televisão ou qualquer outra inutilidade, não irá te levar ao encontro de nada interessante.

A profissão do momento, quando me formei, era a informática. Era um setor de atividades novo, muito carente de mão de obra, e os salários eram fantásticos. Além de existir emprego, o que não existia na minha área de formação.

Decidi então entrar nesta área. Comecei por analisar cursos de pós-graduação. O mais conceituado na região em que morava, Juiz de Fora, era um curso de um ano oferecido pela PUC do Rio de Janeiro. Era também muito caro. Tentei uma bolsa de estudos, não consegui. O que fazer? Computadores eram carissimos, praticamente só as empresas possuiam os computadores e a documentação para você aprender. Ou seja, para aprender, precisava do emprego. A empresa só te aceitava se você tivesse experiência. E o círculo se fechava. Não havia outra alternativa. Deixei então a idéia de lado.

Depois de um ano e meio de formado, resolvi partir firme para a conquista de um emprego, qualquer um. Comecei a pesquisar os jornais e encontrei uma oportunidade interessante em uma empresa francesa, com sede em Macaé, no Rio de Janeiro. Esta empresa prestava serviços para a Petrobrás. O anúncio era em inglês e pediam currículo em inglês também. Mandei meu currículo e fui chamado para uma entrevista. Para minha surpresa, não fizeram absolutamente nenhuma pergunta sobre minha experiência acadêmica. Tudo que queriam saber era se eu falava e escrevia bem a língua inglesa. Fui contratado. O que eu precisava saber da parte técnica aprendi em duas semanas. E pronto.

Fiquei oito meses nesta empresa. Usei meu inglês a vontade, trabalhando em plataformas de petróleo canadenses, americanas, e de diversas outras nacionalidades, contratadas pela Petrobrás para fazer prospecção na região de Macaé. Eu era o tradutor do restante da equipe e trabalhava muito pesado. Este tipo de emprego literalmente não é mole. Pouco sono, muito perigo e tudo tem que ser feito muito rápido, pois o aluguel destas plataformas era algo além da imaginação.

Segui então para trabalhar em um banco, em Campinas. A entrevista foi muito interessante. O gerente me perguntou se eu sabia algo de informática. Respondi que não, não sabia nada (sempre fui muito honesto :-). Perguntou se eu já havia programado na minha vida. Respondi que sim, em Fortran, no terceiro e quarto anos do curso de Engenharia, mas já havia esquecido tudo. Disse também que esquecia as coisas muito rapidamente. Compreensivelmente, a atitude do meu entrevistador começou a se mostrar um pouco hostil. Devia estar pensando "afinal de contas o que este sujeito está fazendo aqui?". Mas tudo mudou quando ele leu em meu currículo que eu era fluente na língua inglesa. Me contratou na hora. Fiz um curso de uns três meses em São Paulo, onde aprendi tudo que precisava para começar a trabalhar na área de informática do banco.

Tanto no primeiro, como no segundo caso, o que salvou a minha pele foi o domínio da língua inglesa. Aprender bem a língua inglesa é algo que demora muitos e muitos anos, e requer uma dedicação enorme. Aprender a parte técnica é infinitamente mais fácil.

Retomando um pouco o que foi discutido no artigo do dia 23 de maio, onde os leitores comentaram sobre a necessidade ou não de diploma e outros assuntos correlatos, esta historinha tem alguns aspectos interessantes. Para conseguir os meus dois primeiros empregos, o fator determinante foi o meu domínio da língua inglesa e ninguém me pediu os diplomas que eu tinha (eu tenho dois certificados da Universidade de Cambridge). Mas se eu não tivesse o diploma de engenheiro, que foi exigido, eu não seria contratado. Para o emprego na área de petróleo, o que eu aprendi na faculdade não me daria a mínima condição de me virar. Mas me ensinaram tudo, porque eu sabia falar inglês. Eu nunca consegui mostrar os meus diplomas de inglês para ninguém, nem para as escolas de inglês em que trabalhei durante alguns anos. Os entrevistadores apenas conversavam comigo. Quando eu oferecia o diploma sempre diziam que não era preciso.

Eu ainda vou falar mais sobre isto, quando sairem os resultados da pesquisa Flossworld, conduzida em diversos países mundo afora. No Brasil, mais de 60% dos empregadores disseram que o diploma não é o fator mais importante na contratação. Disseram também, que se tivessem que escolher entre pessoas com conhecimento apenas de software proprietário e pessoas com experiência em software livre, optariam por aqueles com conhecimento de software livre.

Mas isto eu falo depois, aguardem :-)

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