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A crise da mentalidade da ganância

Por Carlos Nepomuceno

Data de Publicação: 03 de Novembro de 2011

í‰ do controle da informação que a hipocrisia se alimenta - Nepô - da safra de 2011;

(Versão 1.4 - 24/10/2011)

Não é comum nas ciências humanas e sociais atribuir mudanças históricas e de mentalidades í s Revoluções Cognitivas, tais como a chegada da fala, da escrita ou da Internet.

í‰ algo novo, estranho, inusitado e causa muito estranhamento para teóricas e práticos de plantão.

(Quem quiser se aprofundar numa visão diferente, sugiro ler a obra de Lévy)

Como a academia brasileira, de maneira geral, está indo para um lado e a sociedade para outro, estudos mais profundos (de quem pode fazê-los) não podem ser aproveitados estrategicamente, pois há um fosso entre percepções de quem tem o privilégio de estudar e ações de quem tem o poder de decidir.

í‰ muito mais razoável e confortável imaginar que a Economia e a Polí­tica sejam os grandes fatores de mudanças históricas e, portanto, das mentalidades de maneira geral do que mudanças tecnológicas cognitivas.

Porém, esse pensamento nos leva a um diagnóstico teórico que tem até aqui, de certa forma, gerado confusão e dificuldade para compreender alguns fatos que estão acontecendo no mundo hoje por causa da chegada da Internet/redes sociais.

Nossa visão economicista, principalmente, não nos tem deixado ver esse novo vetor histórico como algo relevante para explicar as mudanças que estamos e ainda vamos passar.

Sem compreender os efeitos uma Revolução Cognitiva, que é o que estamos passando atualmente, teremos mais dificuldade de explicar fatos da realidade, tais como mudanças no negócio em várias áreas, como a da música e dos jornais, migrando para outros setores, bem como o movimento autônomo do software livre, da participação dos leitores em jornais, do aumento do poder dos consumidores de maneira geral.

Podemos ver também movimentos polí­ticos, tais como a primavera árabe (Egito/Turquia), Ocupem Wall Street, Revolução Espanhola.

Vários autores têm dito que precisamos urgentemente de um novo paradigma teórico para rever a fórmula das mudanças históricas, ou reperceber como se move a sociedade, a partir de mais um vetor relevante: a chegada de uma tecnologia cognitiva disruptiva/desintermediadora como a Internet/Redes Sociais Digitais.

Teorias são ferramentas úteis para compreender a realidade e quando há fatos novos, que as questionem, devem haver teorias novas, senão inauguramos crises teóricas, que significam explicações pouco consistentes e lógicas para fenômenos que ocorrem.

Tais crises teóricas, de visão, nos levam a crises na maneira de agir.

Portanto, a realidade hoje está nos obrigando a rever nossa base teórica.

Diria que há uma inversão de causa e efeito importante, a partir desse fenômeno, já que tanto a economia como a polí­tica estão sendo (e serão se a história tiver uma certa lógica) muito mais condicionadas do que condicionantes pelas mudanças no ambiente cognitivo.

Estamos aprendendo que quando a base da sociedade fundada na informação, comunicação, conhecimento, relacionamento se modifica, o resto vem atrás.

Diante disso, cabe-nos tentar analisar e aprender o que acontece em um dado momento da história quando nossa civilização produz/é atingida por uma revolução cognitiva como a que vemos hoje.

í‰ importante deixar nossa mente_de_semana_seguinte de molho e tentar subir para o alto da montanha, pois vivemos cotidianamente uma avalanche de achismos, através dos gurus de plantão que juntam fatos e cases, mas não padrões e relações entre as principais forças.

Há que se recorrer í  uma visão histórica para nos ajudar.

(Ver mais detalhes aqui!)

Portanto, a Internet nos leva ao epicentro de uma Revolução Cognitiva diagnosticada por vários pensadores e pesquisadores.

Uma revolução desse tipo só é possí­vel com a chegada de uma tecnologia cognitiva disruptiva/desintermediadora como a Internet/Redes Sociais Digitais ? como foi a chegada da fala (sem data precisa) ou da escrita 1.0 (50 mil anos atrás) e a 2.0 (escrita impressa) há 500 anos - que permitiram que novas ideias passassem a circular na sociedade aonde não podiam e por quem não tinha voz.

Isso é, por si só, um fator explosivo, pois é um fenômeno que oxigena globalmente a sociedade.

í‰ um fato macro-sistêmico de ajuste de uma demanda demográfica/comunicação/informação/inovação/produção x um ambiente cognitivo vertical e centralizado que não permite/permitia que se avance na troca social.

Emperra o dinamismo necessário que o novo cenário exige.

Tal impasse cria uma latência, uma carência de relacionamento, comunicação, informação, que resulta em uma forte adesão em massa ao novo meio disruptivo/desintermediador.

Com esse movimento macro e global, afetando principalmente os mais jovens, que tem mais poder de mobilização, a roda da história se mexe de forma consistente em novo ritmo.

Esse fato novo reduz gradualmente o espaço, bem difundido anteriormente, de um discurso padrão dominante, que, por sua vez, implica em diminuição da força de persuasão dos grupos que estão no poder.

Há, assim, com a chegada de uma revolução cognitiva, o iní­cio de um movimento global por um novo espaço de discussão pública, seguida pela revisão das mentalidades existentes e, por fim, pela revisão e restauração de novos modelos sociais, tanto na polí­tica, como na economia.

Foi isso que aconteceu na última Revolução Cognitiva do papel impresso que tivemos notí­cia similar í  chegada da Internet.

O surgimento da prensa, em 1450, que 200 anos depois nos levou í  democracia e ao capitalismo, com a eclosão da Revolução Francesa, que basicamente questionava um poder que não mais representava o desejo e inspirações de uma sociedade mais letrada.

Tais grupos de poder são protegidos por uma mí­dia vertical e pouco oxigenante, passam, de um momento para outro, a serem questionados, pois perdem a proteção de uma certa bolha ideológica, fruto do resultado de décadas de aprendizado do uso de um ambiente cognitivo, através das mí­dias de plantão, fechado e centralizado.

Cria-se, assim, um macro-ciclo vicioso que arrasta toda a sociedade para um movimento decadente em um modelo cada vez mais engessado, no qual os sofrimentos passam a não ter vez e voz no modelo social, como vetor de promoção de mudanças.

Tal exposição das latências ganha um grande incentivo quando os que sofrem passam a ter voz e canal de expressão, ainda mais quando isso ocorre de uma hora para outra a ní­vel global.

São as condições necessárias para uma guinada civilizacional, na fórmula:

Sofrimento + Latência + Organizações obsoletas = movimentos de mudanças.

Ou seja, tais fatores centralizadores e verticais das últimas décadas têm resultado, como consequência, o desequilí­brio das forças sociais, com a balança pendendo muito mais por quem domina os meios, criando um movimento perverso na sociedade, pois todo o poder que devia ser fiscalizado e se modificado, a partir do diálogo, se congelou.

As organizações, de maneira geral, passaram a jogar um jogo viciado.

Passaram a se voltar para o próprio umbigo, sem comunicação com a sociedade/consumidores/consumidoras/cidadãos/cidadãs, ficando opacas aos desejos da sociedade e entramos em um processo lento de decadência social, na qual os produtos e serviços são muito mais impostos do demandados.

Podemos afirmar, assim, que um dos principais sintomas da decadência de uma sociedade é quando a maior parte de suas instituições (inclusive privadas) passam a avaliar cada vez mais os resultados de dentro para fora.

(Vi no FestRio o filme "A caça de Madoff", no qual as instituições não são suficientes para impedir a fraude, mesmo que com as denúncias de um grupo de cidadãos.)

Uma instituição que se fecha para o exterior em pouco tempo transforma os princí­pios originais em em ganância ou descaso.

As pessoas estão lá, mas voltadas para outros objetivos que não aqueles que a sociedade espera deles, deixando de cumpir a sua original função social. O meio (dinheiro/coisas/objetos de consumismo/status/mesquinhas vantagens) passam a ser o fim em si mesmo.

Ok, que as instituições estão obsoletas até podemos dizer que é um diagnóstico conhecido.

Mas o que não temos consciência AINDA é o quanto esse fator é causado pelo controle informacional e o quanto isso pode ser mudado quando há uma desintermediação cognitiva!

Podemos afirmar, dessa forma, que uma Revolução Cognitiva deve provavelmente desequilibrar fortemente as atuais instituições, pois estas serão um contí­nuo gerador de crise, pois a ganância/descaso são péssimos conselheiros de decisões futuras, causando mais sofrimento, mais latência e, com as armas atuais, mais movimentos sociais.

Diria, assim, que:

Não é a moral dos homens públicos que garante o fim da corrupção ou da falta de compromisso com o cidadão/cidadã/consumidor/consumidora, mas a possibilidade dos governados terem ferramentas efetivas para fiscalizar, mudar as instituições. Quando homens públicos, em todas as áreas, começam a deixar de servir ao todo para se servirem, ao deixar personalidades (e desejos mesquinhos) acima dos princí­pios, começamos a ter uma crise de representação. E uma mí­dia vertical, ao longo do tempo, tem esse tipo de veneno.

Podemos afirmar que quanto mais controle da informação, mais ganância e menos princí­pios e que:

Toda crise, portanto, reflete a decadência de algum tipo de mentalidade.

Esse é o diagnóstico da crise de mentalidade da ganância que estamos vivendo, principalmente, de princí­pios, na qual a atual taxa de perversão está muito alta e a de atendimento dos sofrimentos muito baixa. í‰ essa percepção, a meu ver, que está motivando os jovens, procurar, não sabem ainda como, um reequilí­brio.

Sim, tal taxa varia de paí­s para paí­s, porém:

Numa revolução social um paí­s se rebela; na cognitiva, é o mundo todo!

A decadência atual vai gerando um movimento em cadeia que nos leva a um conjunto grave de consequências de mentalidade social, a saber:

  • O discurso do eu, de cada um por si, se sobrepõe, como mentalidade, diante do nós;
  • Reduz-se o espaço da comunicação e do diálogo;
  • Vê-se o mundo não como um processo, com uma forte tendência a-histórica, o que vale é o aqui e o agora;
  • Perde-se o sentido da vida, ampliando o ter em detrimento do ser;
  • O Eu fica cada vez mais Eu e menos múltiplo, sem a possibilidade de olharmos o Eu de fora, justificando uma visão hedonista, o prazer pelo prazer, pois a vida é curta, não importa as consequências ou o sofrimento que eu causo em mim e nos outros.

Muitos atribuem ao capitalismo os males da humanidade, mas é preciso entender que o capitalismo e a república foram construí­dos e possí­veis, em função da Revolução Cognitiva do papel impresso e foram um avanço em relação ao que tí­nhamos antes, que era o Feudalismo/Monarquia.

Estamos vivendo um momento no mundo muito parecido com as condições sociais prévias da Revolução Francesa, pois temos:

Um grupo bem estruturado e com forte influência nos governos e na mí­dia, principalmente o financeiro, passaram a governar o mundo sem fiscalização e isso, essa mentalidade do Eu acima de tudo, permitida por um ambiente cognitivo fechado, está em crise, pois há agora o que não havia antes: a possibilidade de diálogo entre os que sofrem as consequências.

Entramos em uma grave crise de mentalidade, assim, também de comunicação (como aponta Wolton), pois o que passou a existir é um monólogo de algumas forças falando para todo o resto, que devem se espelhar nesse centro, porém o centro não deve se espelhar nos demais.

Isso é um reequilí­brio que só se sustenta pelo poder da ideologia (com uma mí­dia centralizada) ou através da força.

O filme que vi no FestiRio Um Futuro de Esperança, de Henry Bateman, descreve o esforço e a procura de uma nova mentalidade de grupos de pensadores e ativistas na Islândia para criar um paí­s, tendo a anti-ganância e a procura de novos princí­pios como a força chave desse processo.

Recomendo fortemente!

O caminho da Islândia é algo que aponta um futuro.

Artigo publicado originalmente no blog do autor

Sobre o autor

Carlos Nepomuceno é Doutorando em Ciência da Informação pela Universidade Federal Fluminense é consultor e jornalista especializado em Tecnologia (Informática e Internet), com larga experiência em projetos nestas áreas. Foi um dos primeiros webmasters do Brasil. Atualmente, presta consultoria permanente para as seguintes instituições: Petrobras, IBAM e Sebrae-RJ. í‰ professor do MBA de Gestão de Conhecimento do CRIE/Coppe/UFRJ, com a cadeira "Inteligência Coletiva" e coordenador do ICO - Instituto de Inteligência Coletiva.

í‰ autor, com Marcos Cavalcanti, do livro O Conhecimento em Rede Publicado pela Campus/Elsevier, é o primeiro livro no Brasil a discutir a WEB 2.0, a levantar paradigmas quanto í  inteligência coletiva e a mostrar, na prática, como implantar projetos desta natureza. O livro trata desta nova revolução cultural, social e tecnológica a que todos estamos expostos.

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