Eles querem viciados
© Rafael Evangelista <mailto:rafael@ciranda.net>
Data de Publicação: 04 de Julho de 2004
Em entrevista exclusiva, Richard Stallman, um dos pais do software livre, defende o brasileiro Sérgio Amadeu, alvo da Microsoft
Se alguém goza de prestígio dentro da comunidade de software livre
seu nome é Richard Stallman. O próprio Linus Torvalds, o pai do Linux,
coloca-se na posição de um simples engenheiro e chama Stallman de "grande
filósofo". No início dos anos 80, Stallman sistematizou os princípios
básicos da filosofia de compartilhamento e liberdade contidas no movimento
software livre. Liberdade para usar, alterar, copiar e distribuir
tornou-se um mantra para aqueles que escrevem códigos de computadores
mas também teve um efeito explosivo para toda a produção cultural. O
chamado copyleft (antônimo do copyright) está se transformando em
utopia possível para toda a produção alternativa e libertária.
No campo da tecnologia da informação, o sistema operacional GNU (cria
de Stallman) **Linux incomoda a gigante monopolista Microsoft já há
algum tempo. A atuação do governo brasileiro, que vem insistindo na
preferência pelos programas livres, foi a gota d´água. Na semana passada,
a Microsoft iniciou uma interpelação judicial que pode dar origem a
um processo por calúnia contra Sérgio Amadeu, o diretor do Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação (ITI). Amadeu teria comparado
a oferta gratuita do Windows da Microsoft à prática dos traficantes,
que oferecem a primeira dose de graça.
O próprio Amadeu, durante o último Fórum Internacional de Software Livre,
já havia alertado que as próximas batalhas seriam jurídicas. A viabilidade
técnica do uso dos sistemas livres já teria sido provada e, ao monopólio,
só restaria tentar freá-los por vias legais.
Nesta entrevista exclusiva ao Planeta Porto Alegre, Stallman comenta
os passos do gigante para frear a adoção do software livre pelos
brasileiros. Grande conhecedor do Brasil, o qual já visitou diversas
vezes, Stallman considera as escolas brasileiras como um ponto-chave. A
iniciativa certamente terá um efeito multiplicador e outros países a
tomarão como exemplo.
Não é à toa que o gigante está se mexendo.
Você classificaria a atitude da Microsoft como um ato de desespero ou como uma manobra estratégica?
Eu classificaria como um movimento tático, já que estratégia refere-se
a algo em grande escala. Eu acredito que a Microsoft ainda não tenha
chegado ao desespero, acho que eles ainda acreditam que vão ganhar e que
manterão um império permanente sobre os usuários de computadores do mundo.
Qual a importância da preferência brasileira pelo software livre?
Se o Brasil adotar verdadeiramente uma política completa e consistente
de apoio ao software livre, este pode ser o ponto-chave de nossa campanha
pela liberdade. Por exemplo, uma política clara para que as escolas usem
apenas software livre nas salas de aula colocaria o Brasil no caminho
da liberdade e serviria de modelo e inspiração para outros países.
Você concorda com a comparação entre a Microsoft e os traficantes de drogas?
O próprio Bill Gates parece concordar com essa comparação, de acordo
com essa citação:
Embora três milhões de computadores sejam vendidos a cada ano na China, as pessoas não pagam pelo software. Um dia eles pagarão, penso eu. E mesmo enquanto eles estão roubando, queremos que eles nos roubem. Eles ficarão como que viciados e um dia, de algum modo, vamos descobrir como cobrá-los na próxima década. Citação retirada da revista Fortune, dia 20 de julho de 1998.
No entanto, prefiro comparar a Microsoft com a indústria do
cigarro, esses vendedores de drogas legalizadas. Eles distribuem
amostras grátis e cigarros de chocolate para fazer com que as
crianças comecem a fumar. Hoje, a Microsoft dá amostras grátis
do Windows para escolas e estudantes. As escolas deveriam se
recusar a fazer parte desse jogo.