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A pisada do gigante

Autor: Rafael Evangelista <mailto:rafael@ciranda.net> http://www.planetaportoalegre.net

Data de Publicação: 20 de Junho de 2004

Microsoft ameaça processar Sérgio Amadeu, promotor do software livre no governo brasileiro. Comunidade reage em apoio às políticas federais

Na segunda-feira, uma correspondência foi recebida com surpresa no escritório do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI). Endereçada ao seu diretor presidente, Sérgio Amadeu, e tendo como remetente a gigante Microsoft, era um pedido de explicações, prática que antecede a um processo judicial. Dependendo da resposta de Amadeu a empresa pode processá-lo, baseando-se na Lei de Imprensa, sob a acusação de difamação. Em reportagem da revista /Carta Capital/, Amadeu teria acusado a empresa de práticas comerciais semelhantes a de traficantes. Seria uma referência à prática da Microsoft de doar seus programas para projetos de inclusão digital, criando um público cativo de pessoas ensinadas a trabalhar com sua linguagem. Amadeu considerou a acusação tão absurda que preferiu nem responder.

O que foi concebido como ameaça está funcionando como incentivo à mobilização. Ou, como afirma Cláudio Prado, do Ministério da Cultura: "A Microsoft anda na trilha de Bush, metendo os pés pelas mãos". A acusação contra Amadeu está sendo vista como um movimento desesperado da Microsoft. A ação da empresa estadunidense teve um gigantesco efeito mobilizador em toda a comunidade do software livre. "A Microsoft resolveu, num gesto de extraordinária competência, unificar de uma tacada só a comunidade do Software Livre brasileira", escreveu Cláudio Prado para a lista do Projeto Software Livre Brasil.

Mas o efeito de unificação já foi além da fronteira brasileira. Membros da Hipatia, ONG que luta pela liberdade do conhecimento, iniciaram uma mobilização internacional que deve culminar com o fechamento simbólico de algumas páginas na internet de entidades que apoiam a política do governo brasileiro. Os hipatianos já traduziram para diversas línguas o tema da campanha iniciada pela comunidade brasileira: O Brasil tem o direito de decidir. Em menos de 24 horas foi criado um logotipo e enviados informativos para a comunidade internacional. Richard Stallman, presidente da /Free Software Foundation/ e maior guru da comunidade, deve escrever uma carta de apoio a Amadeu em breve.

*Metáfora comum

A comparação que teria sido feita por Amadeu não é nova e chega a ser corrente. Até mesmo o ex-presidente da Sun, Scott McNealy já a utilizou. Há três anos, ao comentar para a revista /Wired/ a dependência dos usuários britânicos dos produtos Microsoft para acessar a página do governo, que só funcionavam com o navegador da companhia, McNealy afirmou: "A primeira dose de heroína é sempre de graça". Para a reportagem da Carta Capital, Amadeu teria comparado a doação de software para programas governamentais de inclusão digital à "prática de traficante". "Isso é presente de grego, uma forma de assegurar massa crítica para continuar aprisionando o País", descreve a revista.

"Por que o processo foi movido só contra a autoridade brasileira?", pergunta-se Marcelo Branco, do Projeto Software Livre Brasil e um dos articuladores da campanha em favor da escolha brasileira. Para ele, trata-se de uma tentativa de intimidação dirigida ao governo brasileiro. "Essa iniciativa merece o repúdio da comunidade internacional. Devemos, mais do que nunca, nos solidarizar e apoiar as iniciativas de nosso país rumo a independência tecnológica", afirma. Até o momento, já foram contabilizadas mais de 2700 assinaturas no documento de apoio a Sérgio Amadeu publicado na internet <http://www.petitiononline.com/amadeu/petition.html>.

Em comunicado à imprensa, Amadeu afirma ser a provocação judicial movida contra ele tão inusitada e descabida "que não merece resposta". Recentemente, a diretoria da Microsoft no Brasil, declarou à imprensa internacional que a opção do governo brasileiro pelo software livre era ideológica. em clara resposta, Amadeu afirma no comunicado que a preferência dada pelo governo aos softwares livre e abertos uma questão ligada ao princípio democrático. "Se democracia é um valor repleto de ideologia, não é jamais um valor insignificante. Se democracia é um sonho, é um sonho do qual este País jamais acordará novamente. O futuro é livre", completa.

Sentados numa pilha de dinheiro

O poderio amealhado pela gigante monopolista do software, em pouco menos de três décadas de atividade, é assustador. A multa de US$ 612 milhões cobrada pela União Européia como punição contra formação de truste parece uma piada frente aos US$ 56 bilhões em dinheiro e investimentos de curto prazo que ela possui. O próprio fundador da companhia, Bill Gates, afirma que ela pode passar um ano sem faturar um único dólar. Mesmo assim, o capital total seria reduzido a "apenas" US$ 28 bilhões.

Mesmo com tanto dinheiro para gastar a sanha de crescimento não cessa. Durante o julgamento do processo de compra da PeopleSoft pela Oracle - a segunda maior companhia de Tecnologia da Informação do mundo - foi revelado que a Microsoft cogitou uma fusão com a SAP, empresa alemã que vende programas para grandes empresas e cujo valor de mercado é US$ 50 bilhões. Ainda sobrariam US$ 6 bilhões na poupança do gigante mas, segundo a própria empresa, o negócio não foi concretizado devido às complicações jurídicas - ou seja, novos processos anti-truste.

Sobre o autor

Rafael Evangelista é cientista social e linguista. Sua dissertação de mestrado tem o título Política e linguagem nos debates sobre o software livre. É editor-chefe da revista ComCiência e faz parte de algumas iniciativas em defesa do software livre como Rede Livre, Hipatia e CoberturaWiki.


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