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Por André Luis Martins Gomes
Data de Publicação: 25 de Março de 2011
O cérebro humano é uma máquina de reconhecer padrões. Deveras, muitas vezes ele enxerga padrões, onde, de fato, não existe nenhum.
Figura 1: There's no spoon. And no face here too. |
Quando o elemento sendo padronizado é simples demais, nos sentimos entediados e o iconificamos. Você viu um rosto na imagem acima? Parabéns. Isso é o resultado de milhões de anos de evolução e tem até um nome: pareidolia. Este fenômeno, inclusive, explica porque muitas pessoas tem visões de OVNIS, escutam mensagens gravadas ao contrário em músicas, e vêem um rosto em marte.
Por outro lado, quando o elemento que seu cérebro está tentando simplificar é complexo demais, ele falha em encontrar um padrão, classifica a informação como ruído (ou poluição visual) e desiste de interpretá-lo. Lembra das aulas de química no colegial? Puro ruído, literalmente.
O interessante é que, enquanto o cérebro está identificando o padrão e compreendendo como funciona sua estrutura, ele se delicia ao perceber isto acontecer. Podemos chamar isto de "o prazer da descoberta", parte do grande objetivo de professores, artistas, fabricantes de qualquer coisa e, surpresa, desenvolvedores de sistemas: entregar algo que as pessoas realmente queiram usar.
O problema, é claro, é conseguir criar um padrão "de base" abrangente o suficiente para gerar certo desafio para os usuários, prendendo sua atenção e levando a um aprendizado prazeroso, de forma que a informação se torne natural para o usuário e que com o tempo seja iconificada. Digo abrangente pois, mesmo com o advento da cauda longa para a usabilidade, nem sempre é uma boa idéia dar muitas opções para os usuários: normalmente eles não sabem o que é melhor para si mesmos, ficam na dúvida e acabam classificando todas estas opções como barulho. Mesmo que eles mesmos tenham pedido mais opções.
Daí a necessidade da criação da "base": quando esta estiver iconificada é o momento certo de introduzir novas funcionalidades e opções de customização. Ou seja, a cauda longa só é efetiva dentro de um contexto em que os usuários já tem domínio de alguma informação básica apresentada previamente a eles.
Em seu artigo (que deu origem ao livro homônimo), "As Leis da Simplicidade", John Maeda do MIT define três fases (descritas a seguir) para alcançar a "simplicidade plena". Sistemas, aulas, foguetes e escovas de dente elétricas construídos dentro deste paradigma são, realmente bem aceitas pelos usuários e tornam-se produtos de sucesso.
Fase 1: O primeiro estágio de toda criação deve ser simples.
Aqui o título fala por si mesmo: menos é mais. A primeira versão entregue deve ser o mais simples possível, permitindo aos usuários iconificar as informações mais importantes, abrindo então, espaço para a fase 2. É interessante notar que poucos produtos conseguem, efetivamente começar nesta fase, indo diretamente para a fase 2, que pode ser um sinal de fracasso comercial: alguém ai se lembra do Zune? Nem eu.
Figura 2: Conjunto de funcionalidades de um sistema qualquer |
Fase 2: O segundo estágio da criação traz um grande aumento na complexidade
E isso ocorre por diversas razões: demandas dos usuários, pressões de mercado, inovações por parte da equipe... Nesta etapa o produto também é normalmente inserido na cauda longa: se for um eletrônico, terá diversos modelos. Se for um software terá diversas opções de customização e várias novas funcionalidades. O risco desta fase é a de entrar em um ciclo vicioso: os criadores (e usuários) percebem que tem algo de errado (ou mesmo faltando) e, ao invés de tentar simplificar, inserem mais funcionalidades e aumentam mais ainda a complexidade.
Figura 3: Segunda versão (muito mais complexa) do sistema anterior |
Fase 3: O objetivo final deste estágio é, na verdade, obter uma compreensão tal da criação que consiga-se alcançar um nível de simplicidade que supere a primeira fase.
Quando a complexidade é aumentada na segunda fase algo ocorre: as vendas diminuem, os acessos caem, as reclamações aumentam. Pois toda ação tem uma reação...
Nesta etapa (atingida por poucos) os projetistas tentam entender o que deu errado. E ai decidem retornar à simplicidade original. A vantagem é que, com o tempo eles passaram a conhecer mais seus usuários e as necessidades destes. Assim conseguem simplificar ainda mais o projeto original utilizando esta vantagem obtida com a experiência.
Figura 4: De volta às origens! |
Um ótimo exemplo da aplicação das três leis é também um produto que revolucionou um mercado, conquistou 74% de marketshare, reviveu algumas indústrias em decadência e que ainda não têm nem 10 anos de idade: o iPod.
PS: Acredito que este artigo seja a primeira ocorrência documentada das palavras "iconificar" e "iconifica" na língua portuguesa. Pelo menos o Google me fez pensar assim. Desta forma, deixo aqui registrado que o mérito por destruir um pouco mais nossa língua pátria é meu.
André Luís Martins Gomes é Mestrando em Computação pelos Institutos de Matemática e Estatística & de Pesquisa Tecnológica da Universidade de São Paulo. Especialista em usabilidade, trabalha há 6 anos desenvolvendo padrões corporativos de usabilidade e integração humano computador.
Atualmente trabalha como analista de sistemas no Banco Bradesco e gostaria de poder encerrar o texto com "e nas horas vagas...". Pena que hoje em dia já não se fazem mais horas vagas como antigamente.
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