você está aqui: Home  → Colunistas  →  Piloto e Gerente

Compliance

Por Jefferson Wanderley dos Santos

Data de Publicação: 18 de Janeiro de 2015

É um termo bem assertivo e muito forte. "Comply with" significa que a pessoa entendeu, perfeitamente, o que lhe foi dito, instruído ou orientado. Agirá de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido. A partir de então, o emissor, a pessoa que verbalizou a instrução ou orientação, assume que o receptor entendeu, clara e cristalinamente, o que foi dito e fará conforme o "acordado" ou "in accordance to". "You may proceed in accordance to complied..." ("Prossiga de acordo com o confirmado") seriam as palavras do controlador de tráfego aéreo mundo afora.

No Brasil, em aeronáutica, usamos o termo "cotejar" com exatamente o mesmo propósito. O previsor meteorológico, o controlador de tráfego aéreo, esteja ele no "controle de solo", na torre ou no "controle de aproximação ou decolagem", ambo setores distintos, transmitem suas instruções a ao fim determinam: "Coteje!" ou "Comply!"; Um acordo subliminar, porém com força até judicial ali é selado. Caso o piloto não repita de acordo com o dito, aqueles controladores repetem, à exaustão, até se convencerem. Contudo, nem sempre o tempo permite tal oportunidade.

Para haver o "compliance" ambos, transmissor e receptor precisam possuir um nível mínimo de instrução e de formação intelectual para atender àquela atividade específica. Ressalta-se de todo o que foi, até agora, dito a capacidade de ler, entender e se expressar . Uma gama considerável de acidentes aeronáuticos e de trabalho (ocupacionais) tem como causador de fundo o fator humano: O homem por detrás do erro.

Dos eventos que, ao longo da minha carreira como especialista em prevenção e investigação de acidentes aeronáuticos e de trabalho, lidei ou pesquisei para concluir uma investigação daqueles, denunciaram erros de interpretação de normas e de orientações escritas por forma errada, incompleta, vaga ou inconclusiva.

O cidadão brasileiro já não tem o hábito da leitura. Dificilmente lê, ou segue completamente, um manual de instruções de equipamentos eletroeletrônicos domésticos. O cenário e oportunidade para o erro e o consequente acidente são amplos e profusos. Os riscos evidenciam-se na incapacidade de se expressar, de ler e entender diretivas técnicas. Ademais, a capacidade de se mitigar tal constatação esbarra nos altos custos de capacitação pós-formação nas organizações, ainda mais que as empresas não têm recursos sobrando para complementar o que o Estado deixou de promover.

Nota-se que o raciocínio ultrapassa os limites da atividade aérea, penetrando, incólume, nos redutos dos lares e paredes das organizações.

A pergunta é: Haverá solução no futuro? Parece-me que não, infelizmente não. Neste propósito, o que esperar dos resultados do ENEM 2014?

Ademais, não obstante profusos e emocionados discursos políticos e acadêmicos, o recente resultado denuncia nossa peculiar idiossincrasia. De sorte que a sociedade precisa encarar os fatos e assumir a falência da atual Educação no país. Não bastam os históricos fracassos representados por baixíssimos índices de aprovação nos exames da OAB ao longo do território nacional mas o constante, e quase motivo de piadas, resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Programme for International Student Assessment - PISA ).

O fracasso estampado na assustadora quantidade de notas "zero" obtidas por candidatos aspirantes ao ingresso nas universidades (centros históricos de produção de conhecimento em todos países do mundo), apenas representa, como o ápice de um enorme e desconhecido iceberg, as condições estruturais e, vergonhosamente, conjunturais que nossa sociedade, ao terceirizar sua responsabilidade direta a políticos e intelectuais, permitiu que a educação nacional chegasse. Daí conjuntural e vergonhosa. . O problema maior é que mais de quinhentos mil candidatos com notas zero significa dizer que a qualidade dos profissionais e cidadãos que irão gerenciar a sociedade daqui a vinte anos já está, inexoravelmente, comprometida, sobretudo em capacidade de enxergar, discernir e lidar com os crescentes desafios a nós colocados pela constante e irreversível interação e integração pela globalização.

Quando verificamos o percentual inacreditavelmente baixo da destinação orçamentária pela Lei do Orçamento Anual (LOA), que nos últimos quinze anos gira no entorno de apenas três por cento (3%) há que se considerar que a sociedade não está assumindo seu papel em uma madura e responsável governança social, posto que tais percentuais são avaliados e aprovados por políticos democraticamente eleitos, cujos trabalhos ou ausências são ignorados, pelo eleitor e cidadão, no dia seguinte a colocação de seu voto na urna.

Apagão de mão de obra, analfabetismo funcional, queda na produtividade industrial e, principalmente, queda da qualidade da produtividade individual do trabalhador brasileiro -medido por levantamento do Banco Mundial em 2014- fazem parte de nosso cotidiano que, de tão constantes, já não causam qualquer sobressalto no cidadão, tampouco os impele a cobrar dos políticos eleitos e dos Conselhos de Ensino espalhados nos 26 estados da federação.

Quanto à competitividade internacional de nossos produtos, os elevados custos dos encargos trabalhistas e a baixa qualidade geral dos bens e serviços aqui produzidos não estão estimulando investidores estrangeiros, instituições e países, a projetarem nossa produção ao mundo. Diante de tais quadros ainda é mais barato e seguro investir em países em desenvolvimento na Ásia e África do que em nós, não obstante às melhores qualidades de nosso clima, recursos naturais e estabilidade de nossa idiossincrasia social. Clima tropical, poucos acidentes geográficos significativos e não existirem, entre nós, conflitos étnicos ou sociais nos tornam verdadeiro nirvana para investimentos consistentes e perenes.

Se quisermos se um país que, de fato, quer reduzir a desigualdade social e ampliar sua capacidade de competitividade mundial, a Educação levada a sério é o primeiro e fundamental item de uma extensiva pauta de correções e ajustas urgentes. Basta a sociedade acordar, amadurecer e querer.

Adicionar comentário

* Campos obrigatórios
5000
Powered by Commentics

Comentários (1)

Avatar
Novo

Simples e perfeito. Muito obrigado por compartilhar o conhecimento!

Sobre o autor

Jefferson Wanderley dos Santos atualmente é Professor, Consultor, Palestrante e Facilitador. Foi piloto militar e civil em mais de 15 aeronaves (aviões e helicópteros) de diferentes tipos e piloto offshore (SK-76C) na Líder Aviação. Possui, no total, mais de 5.000 horas de vôo. Possui ampla experiência em Planejamento Institucional com base em Avaliação de Cenários (organizacional e institucional: Brasil e América do Sul) atuando em treinamentos como orientador de diplomatas civis e militares no módulo Peace Operations Executive Seminar do Pearson Peacekeeping Centre no Interamerican Defense College em Washington - DC - USA e no módulo Large Scale Emergencies and Desasters Seminar também no Interamerican Defense College em Washington - DC - USA. Possui ampla experiência em Consultoria para organizações do Comando da Aeronáutica na área de Gestão Estratégica de Recursos Humanos. Proferiu palestras sobre Gestão de Recursos Humanos na Aeronáutica para militares dos países das três Américas e Caribe no 27º Comitê de Gestão de Recursos Humanos e Ensino em Winnipeg, Manitoba, Canadá.

Proferiu palestras sobre o Brasil e seus cenários social, político e econômicos para diplomatas civis e militares do Interamerican Defense College e National Defense University, ambos na cidade de Washington - DC - USA no ano de 2007; foi coordenador acadêmico no Interamerican Defense College, Washington- USA, 2007 a 2008; foi professor-chefe do Curso de Política e Estratégia Aeroespaciais na Universidade da Força Aérea RJ no ano de 2009; possui ampla experiência em Assessoramento e Avaliação de Processo Decisório para funções de assessoria, chefia e direção de organizações do Comando da Aeronáutica.

Contatos

Jefferson Wanderley dos Santos MSc
ANAC 138.480
081 97111 0211 Vivo
081 3033 6593 (r) Vivo
@adastrapilot
www.adastrapilot.com

Recomende este artigo nas redes sociais

 

 

Veja a relação completa dos artigos desta coluna