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Quando o piloto é o gerente

Por Jefferson Wanderley dos Santos

Data de Publicação: 14 de Janeiro de 2015

Quantos instrumentos o piloto prende sua atenção no momento que inicia sua decolagem?

A resposta surpreenderia muitas pessoas, até mesmo muitos pilotos, na realidade não são muitos, a quantidade é muito reduzida. Há motivos, sobretudo em função de foco de atenção, necessária em momento tão crucial do voo.

Aos que se interessam devem ter a noção de que o momento da decolagem até 500 pés de altura e a aproximação final após se cumprir todo o procedimento inicial de descida por instrumento ou visual são os momentos onde se concentram a expressiva quantidade de acidentes e de incidentes aeronáuticos no mundo. Em ambas ocasiões é onde se abriga e se evidencia a extrema importância do foco.

Foco pressupõe uma área reduzida de concentração visual e dos demais sentidos. Vem da certeza de que todos os eventos, procedimentos e processos até aquele ponto foram cumpridos da forma mais correta e eficiente. Ainda que os motores já não tenham propulsão ou com outro risco iminente, mesmo assim, eles já não ocupam a atenção do piloto por ocasião da parte final da aproximação, do arrendondamento rente a pista e o toque controlado do trem-de-pouso.

Posso lhes garantir que assim ocorre ainda mais após ter voado mais de quinze tipos de aeronaves (aviões e helicópteros) em minha carreira de piloto militar e civil. Todo e qualquer voo é um projeto onde o piloto está sozinho ou com um co-piloto mais novo, via de regra com menor experiência. Além de voar e ser responsável por patrimônios que não lhe pertencem e vidas, o piloto em comando ainda tem a enorme responsabilidade de ensinar e dar exemplo para formar o piloto e cidadão na cadeira ao lado.

Todo e qualquer voo, mesmo que seja somente um "girar" de motores para verificações de parâmetros de conformidade de desempenho, é um projeto e como tal os pilotos, ainda que não se apercebam, conduzem como se fora gerentes a frente de uma enorme complexidade operacional e administrativa, como de fato é. A experiência prática dada por minha formação acadêmica em quinto grau em Administração de Empresas confere-me serenidade e certeza para assumir tal crença.

As consagradas fases que caracterizam a gestão, o PDCA (Planejar, Fazer -DO, Controlar e Agir na correção), iniciadas por Taylor, após Fayol e, sobretudo evidenciadas ao mundo pelo estatístico Edwards Deming, (registre-se, por oportuno, que um voo, mesmo que ponte aérea, JAMAIS será SDCA, sobretudo em função de aspectos meteorológicos) estão necessaria e fundamentalmente presentes na preparação e realização de qualquer voo.

A exemplo de qualquer gerente, sobretudo em nível de unidade de produção ou fabril na qual tenha que, também, ter contato com os clientes e público, o piloto inicia o planejamento de seu voo em interação com órgãos reguladores e fiscalizadores do macro-ambiente, busca atender, da melhor forma o cliente na consecução do produto ou do serviço, conta com empresas parceiras para guarda, manutenção, abastecimento, apoio para embarque de pessoas e cargas, limpeza e manutenção de sua aeronave além de auxílio para eventuais certificações ambientais e de saúde pública. Só este elenco de atores intervenientes externos já lhe consome, no mínimo, uma hora antes dos motores saírem da inércia.

Inicia-se o contato com diretrizes, normas, circulares, check lists e registros de manutenção e de equipamentos. Formulários de plano de voo e de certificações de condições meteorológicas completam a parte operacional e burocrática. Caso qualquer discrepânicia ocorra, requer que ele interaja, sempre sistemicamente, com qualquer um dos atores intervenientes dos setores internos da empresa que promove o serviço -o voo-, do macro-ambiente e do mercado. E para tal interação ser oportuna e eficiente requer planejamento, até pensar na forma com a qual irá abordar quem possa lhe ajudar já caracteriza um planejamento sobre algo que deveria ser rotina e NUNCA é. Caso contrário um fenômeno bem comum, o "mavo" se manifesta de imediato e seu voo atrasa, o cliente reclama e a fiscalização, eventualmente, pode até multar, sem falar sobre a pressão que a gerente de vagas no estacionamento impõe para dar espaço para outra aeronave cliente. Assim, intempestividade e MUDANÇA, são as CONSTANTES nas atividades gerenciais de um piloto.

Entre a partida dos motores há vários cheques internos que são realizados em perfeita coordenação com o co-piloto e em sintonia com os órgãos externos, inicia-se o taxiamento com mais cheques e após autorização prévia da torre de controle do aeródromo após se cotejar (confirmar) a ciência das novas condições operacionais e meteorológicas tanto do aeródromo onde vai se decolar, dos de destino e de alternativas para eventuais emergências.

Prudência, interação sistêmica e fluidez se dá quando se cede a vez no taxiamento para decolagem ou após pouso observando-se a sequência das demais aeronaves que também taxiam, que pousam ou que decolam, sobretudo se as condições meteorológicas estiverem adversas. Novos cheques são realizados e, finalmente, quando na cabeceira antes de avançar os motores, várias fases foram encerradas, certificações operacionais e sistêmicas realizadas e a quantidade de equipamentos e instrumentos de voo substanciamente reduzida para se prestar atenção e interagir.

O voo prossegue com interação constantes com órgãos de controle de tráfego aéreo, de meteorologia e com atenção redobrada caso as condições climáticas no destino exijam uma decisão intempestiva quando as condições operacionais e meteorológicas dos aeródromos escolhidos como alternativa permitam um processo decisório, adotado em consonância entre ambos pilotos, eficiente e seguro configurando o principal FCS, fator crítico de sucesso: Todos caminhando para fora da aeronave felizes e serelepes e a máquina pronta e segura para outro voo.

O ciclo gerencial se encerra com o feedback e registro de eventos intempestivos alimentando o consagrado e clássico (sempre relegado ao esquecimento de nós de idiossincrasia latina) "lessons learned" no diário de bordo da aeronave.

E, como todo bom gerente, os pilotos partem para cafezinho "pagando mistério" e contando vantagens, rs rs.

Espero que os leitores tenham, ainda que de forma breve e incipiente, entendido a similaridade de atividades gerenciais entre o piloto e um gerente. Afinal, gestão está na essência da atividade humana. E, por favor, da próxima vez que seu voo atrasar ou se o piloto resolver prosseguir ainda que o céu esteja muito escuro, pode confiar e trate os pilotos com condescendência, pois ali há muito preparo e conhecimento de causa.

Bons voos!!

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Comentários (1)

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Simples e perfeito. Muito obrigado por compartilhar o conhecimento!

Sobre o autor

Jefferson Wanderley dos Santos atualmente é Professor, Consultor, Palestrante e Facilitador. Foi piloto militar e civil em mais de 15 aeronaves (aviões e helicópteros) de diferentes tipos e piloto offshore (SK-76C) na Líder Aviação. Possui, no total, mais de 5.000 horas de vôo. Possui ampla experiência em Planejamento Institucional com base em Avaliação de Cenários (organizacional e institucional: Brasil e América do Sul) atuando em treinamentos como orientador de diplomatas civis e militares no módulo Peace Operations Executive Seminar do Pearson Peacekeeping Centre no Interamerican Defense College em Washington - DC - USA e no módulo Large Scale Emergencies and Desasters Seminar também no Interamerican Defense College em Washington - DC - USA. Possui ampla experiência em Consultoria para organizações do Comando da Aeronáutica na área de Gestão Estratégica de Recursos Humanos. Proferiu palestras sobre Gestão de Recursos Humanos na Aeronáutica para militares dos países das três Américas e Caribe no 27º Comitê de Gestão de Recursos Humanos e Ensino em Winnipeg, Manitoba, Canadá.

Proferiu palestras sobre o Brasil e seus cenários social, político e econômicos para diplomatas civis e militares do Interamerican Defense College e National Defense University, ambos na cidade de Washington - DC - USA no ano de 2007; foi coordenador acadêmico no Interamerican Defense College, Washington- USA, 2007 a 2008; foi professor-chefe do Curso de Política e Estratégia Aeroespaciais na Universidade da Força Aérea RJ no ano de 2009; possui ampla experiência em Assessoramento e Avaliação de Processo Decisório para funções de assessoria, chefia e direção de organizações do Comando da Aeronáutica.

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