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Tamanho único?

Por Eduardo Maçan

Ingo Molnar é para mim uma daquelas muitas figuras do Software Livre que não me conhecem e que eu não conheço mas a quem sou muito grato. Se você está mergulhado no mundo do software livre há tanto tempo, ou de forma tão intensa quanto eu sempre estive, você já experimentou esse sentimento ao menos uma vez.

No meu caso tenho acompanhado o trabalho do Ingo porque meu hobby é multimídia com Linux. É o tipo de campo em que lidamos com as fronteiras entre o exato e o subjetivo já que ao fim da cadeia produtiva temos a apreciação estética humana, uma das coisas mais imprevisíveis (e por vezes questionáveis) que poderíamos encontrar.

Mas se ao fim a indefinível "qualidade artística" é o objetivo, durante a a fase de produção/execução usando um computador temos o exato oposto: a objetividade, precisão e infalibilidade de um sistema com resposta em tempo real são mais que desejáveis, são imprescindíveis. Ingo Molnar vem trabalhando há anos para que o kernel Linux possa fornecer este tipo de resposta e previsibilidade através de patches de tempo real e modificações experimentais no escalonador.

A arquitetura avançada de som do linux (ALSA) foi desenvolvida tendo em vista este tipo de objetivo. Latência mínima (latência é o tempo entre você pedir pro computador executar uma ação e ela realmente surtir efeito) flexibilidade, modularidade, etc. Um nível acima dos drivers, temos o JACK (JACK Audio Connection Kit) que provê a "cola" entre as aplicações de áudio sobre Linux.

Tanto o ALSA quanto o JACK estão preparados para um ambiente que exige tempos de resposta na ordem dos milissegundos ou menos, mas e o sistema abaixo deles? O que adianta uma aplicação dizer "ei sistema operacional, toque esse bloco de áudio e exiba esse quadro de vídeo" se o sistema operacional responder algo como "Aí mano, fica na tua que eu tou limpando essa memória inútil aqui, certo febrão?". Não muito.

O cérebro humano é capaz de perceber "algo errado" mesmo sem se dar exatamente conta do que é quando uma nota se atrasa numa música, ou quando vídeo e áudio saem de sincronia. Existe um limite máximo de atraso que podemos tolerar em aplicações multimídia e toda a arquitetura suportando tais aplicações, principalmente o sistema operacional, devem estar preparados para isso.

Voltando ao Ingo Molnar, recentemente mais uma de suas contribuições foi incorporada ao Kernel Linux, seu Completely Fair Scheduler (CFS ou Escalonador Completamente Justo em português) substituiu o escalonador padrão do Linux. Eu ainda não testei o novo escalonador mas suspeito que ele trará grandes benefícios aos interessados em multimídia sobre Linux, dado o histórico do trabalho do Ingo. Vejam a polêmica gerada pelo novo escalonador na Kernel Trap

Eu adoro Software Livre, Adoro o Linux, mas há tempos algo me incomoda. Até que ponto um sistema operacional é capaz de atender a demandas tão diversas como impulsionar ao mesmo tempo um Desktop de usuário, uma máquina paralela de cálculos científicos pesados, um servidor de aplicações, um servidor Web e etc?

Se torna evidente o papel de distribuições específicas, capazes de otimizar o sistema para cada grupo de usuários que venham a atender. No caso de multimídia temos alguns esforços bem notáveis.

Mas eu me pergunto: Não seria a hora de investirmos em uma diversificação maior de sistemas operacionais livres? A divisão Desktop/Servidor é a mais óbvia que eu consigo pensar, e nessa divisão já tenho meu candidato a ocupar um dos lados.

O Haiku será em muito pouco tempo uma excelente opção de sistema operacional para o Desktop, tendo construído em cima do legado do incrível BeOS, que de certa forma herdou o posto (ou melhor dizendo, a vocação) que os sistemas Amiga ocuparam no final da década de 80 e início de 90.

Quando a Be Inc. deixou oficialmente de existir a comunidade ao redor de seu sistema repetiu os passos do sistema GNU e começou a criar um novo, compatível com a referência original: o último lançamento oficial do BeOS. Digno de nota, um de seus mais fanáticos entusiastas, o Brasileiro Bruno Albuquerque é o responsável pelo File System, uma tarefa bastante notável. Alguns anos depois, o que temos é o ainda pouco explorado mas bastante promissor Haiku.

O BeOS, e por consequência o Haiku nunca tiveram a pretensão de serem servidores, foram desenhados desde o início para serem o melhor que se poderia ser em um desktop tendo a experiência multimídia como objetivo maior. Isso porque em 1995 não havia ainda banda larga em abundância, filmadoras digitais com grande armazenamento, meios de distribuição de Áudio e vídeo como o last.fm ou o youtube que transformariam efetivamente todo ser conectado à rede em uma estação de produção e difusão de mídia ambulante.

O BeOS nasceu bastante à frente de seu tempo. Talvez por isso não tenha conseguido sobreviver até os dias de hoje, quando teria um nicho cativo. Certamente não tão grande mas comparável ao do browser Opera, que se mantém vivo com sua leal horda de seguidores.

Mas temos o Haiku, ele é livre e está quase pronto. Ao ver tantas discussões sobre o que o linux deveria ou não ser, o que deveria ou não implementar, me pergunto se não é hora de apoiarmos alguma segmentação e trazermos à tona um novo sistema operacional para atender exclusivamente as necessidades reais do usuário moderno.

O Haiku me parece a melhor escolha, lógica e estrategicamente falando. Li que sistemas baseados no Kernel Linux passaram de 0.3% para 0.8% de presença no Desktop. Depois de mais de 10 anos de luta para se aumentar a participação de sistemas livres em Desktop e avaliando o que foi conquistado com o atual candidato potencial, será que não é hora de avaliarmos a viabilidade de um novo representante? Ainda mais num mundo em que pouco se precisa além de um navegador internet?

Que cada um seja o melhor naquilo que deve ser.

(P.S. Mas eu não abandonaria o jack, eu adoraria vê-lo portado para o haiku :P embora eu não conheça o subsistema de áudio do Haiku para comparar com o jack, isso certamente traria um grande número de aplicações maravilhosas (como o ardour , o specimen e o zynaddsubfx e outros sem os quais eu atualmente não fico) quase que imediatamente )

Sobre o autor

Eduardo Maçan é um cara legal que não tem tempo suficiente para se dedicar a tudo que gostaria. Envolvido com sistemas Unix, gerência de redes, TI, criação e implementação de serviços web há mais tempo do que aceita admitir, ajudou Chuck Norris a criar a internet. O espirito de Bruce Lee aparece para orientá-lo quando precisa, os de Obi-wan Kenobi e Yoda também. Quando não está se evadindo de ninjas assassinos para manter suas habilidades físicas, gosta de compor e tocar música. É um cara sério e profissional, mas não costuma conter sua imaginação, ironia e sarcasmo quando não está de terno e gravata. Agora, por exemplo.

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