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Deixa-me dizer o que quero que você me diga

Por Fernanda Alves Chaves

Data de Publicação: 25 de Outubro de 2007

Assisto a pouca coisa na televisão, mas confesso que não resisto aos lindos olhos azuis do Dr. Gregory House. Uma das maiores características deste médico é sua incapacidade interpessoal. O cara é mestre em ser odiado e acho até, que ele gosta de ser assim. Infelizmente, fora das telinhas televisivas, ser o House não deve ser muito agradável. Embora ele salve vidas, pessoas com problemas interpessoais são, comumente, os nossos assassinos emocionais.

A incapacidade de criar vínculos é parte do mau relacionamento interpessoal. Pode atrapalhar a vida em diversos aspectos. Interfere nas amizades, dificulta relacionamentos amorosos, enfraquece relações familiares e arruína sua capacidade de se manter em empregos.

Se tornar o mestre das relações interpessoais é tarefa hercúlea, e possível. Um dos passos mais importantes diz respeito a deixas.

Não estou fazendo curso de teatro, mas a deixa a qual me refiro se parece muito com a que conhecemos. Estou falando de deixa emocional, e esta é quase involuntária. Ela pode ser percebida quando demonstramos nossos sentimentos, como uma última palavra (frase, gesto, etc) e esse sentimento sinaliza que a fala continua, mas continua do outro lado.

Exemplo de deixa...

  • Huguinho, fala: Adorei o Tropa de Elite!!!
  • Zezinho, responde entusiasmado: Eu não assisti ainda! Quero ir neste final de semana!
  • Luisinho, diz com ar de desprezo: Detesto violência.

Pela maneira que Huguinho falou e pelo linguajar utilizado, ele estava querendo conversar sobre o filme que tinha gostado. Queria atenção e para isso usou a partilha de um acontecimento. Ele largou a deixa. O Zezinho entendeu a demonstrou ter bom relacionamento quando respondeu no mesmo nível, dando atenção e garantindo um bom clima. Em compensação, o Luisinho não pegou a deixa e perdeu a oportunidade de criar vinculo. Ele foi frio e evasivo, cortando qualquer possibilidade de continuação, tanto da conversa sobre o filme, quanto de aproximação.

Reações negativas, cortadas e rejeições (quando não damos resposta) podem levar a quebra do vínculo. Partilhar confiança e intimidade é muito difícil, e se a primeira experiência for ruim, ficamos como cachorros mordidos por cobra. É frustrante quando buscamos atenção e somos recebidos com agressividade ou distância.

As pessoas dão deixas para poder se sentir parte de algo, pela sensação de controle da própria vida e também para serem amados. Isso tudo parece muito piegas, mas não se esqueça que empresas são feitas por, com e para pessoas. Essas pessoas querem se relacionar, querem criar vínculos e dão deixas emocionais o tempo todo, você inclusive.

Mais exemplos de deixas...

  • Namorada querendo massagem: Esse sofá é desconfortável, minhas costas doem.
  • Mãe querendo elogio: Hoje o picadinho ficou meio aguado, não é meu filho?
  • Amigo querendo desabafar: Não é nada importante, liguei apenas para dar oi.
  • Colega querendo companhia: Conhece algum restaurante aqui por perto?
  • Assistente querendo carona: Estou sem sombrinha e minha casa é tão longe...
  • Marido querendo sexo: As crianças já foram dormir?

Nenhum relacionamento completo e gratificante aparece da noite pra o dia - como acontece com o Judas uma vez por ano. Bons relacionamentos são reflexo dos vínculos e compromissos - pessoais e profissionais - que assumimos e calmamente construímos, dando um passo de cada vez.

Responder positivamente a todas as deixas emocionais é humanamente impossível. Como se afastar ou fingir não dar importância também é hostil (o que não ajuda nada), você pode usar o humor como resposta. O humor costuma fazer com que os papos fiquem mais interessantes e relaxados. Mas, atente ao detalhe que ele precisa ser muito bem colocado. Ninguém gosta de ser ridicularizado ou agredido verbalmente, como o dr. House costuma fazer.

Respostas humoradas...

  • Acho que coloquei muito molho. - Que nada!!! Você apenas fez pouca salada.
  • Que bom te encontrar, quero que você me diga uma coisa. - Uma coisa.
  • Me dá uma mãozinha neste relatório? - Pega as duas, não estou usando mesmo.
  • Você engordou!? - Não, apenas aumentei o espaço para melhor servir.

Criar vínculo é difícil, principalmente com pessoas que não conhecemos e no ambiente de trabalho. A chave para fazer isso é se interessar verdadeiramente pelas pessoas, pelos valores e sentimentos delas. Após isso você precisa compreender e ser carinhoso, levando a aproximação.

Se relacionar bem não resolve todos os problemas do mundo, mas, quando você está fortalecido por bons vínculos, certamente se sentirá mais seguro.

Sobre a autora

Fernanda Alves Chaves é daquelas pessoas que buscam o que ainda há de humano em um ambiente dominado pela tecnologia. É administradora, especialista em Gestão de Pessoas, profissional de RH e professora universitária. A verdade mesmo é que ela gosta de gente, e é figurinha fácil entre os ambientes dominados por nerds, geeks, etc. Se empenha em ver toda a gente crescer, melhorar, atuar em redes. E, na visão dela, as pessoas começam a formar redes antes de chegarem perto de computadores! As redes se formam de mãos dadas, da troca de olhares, de palavras e... pois bem, também de e-mails, mensagens instantâneas e scraps. Independente dos meios, redes serão sempre de pessoas às quais a tecnologia deve servir, nunca o contrário. É para lembrar disto, sempre, que Fernanda nos brinda com sua coluna no Dicas-L!

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