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Evolução Paulatina

Por Frederick Montero

Data de Publicação: 08 de Abril de 2007

Reza a lenda que o cinema estreou em um evento traumático, como o parto dos recém-nascidos que de uma hora para a outra são forçados a saírem do conforto, segurança e calor do útero de suas mães para um vasto mundo de incertezas. Na primeira sessão de cinema que se tem notícia, o público teria saído correndo assustado da sala ao ver a imagem de uma locomotiva correndo em direção à câmera, como se corre-se em direção à própria platéia. O público ainda não havia sido apresentado a essa nova forma de comunicação, arte e entretenimento e portanto não estava preparado para as surpresas que o cinema poderia proporcionar. Com o tempo, as pessoas foram aprendendo, as vezes por meios indiretos, a entender os mecanismos lingüísticos e estilísticos que envolvem a sétima arte. Se fôssemos empreender uma viagem pela história do cinema, desde os seus primórdios até os dias de hoje, veríamos que muita coisa mudou e que os atuais filmes estão muito distantes em termos de linguagem dos primeiros filmes realizados. O cinema trilhou um longo caminho para se afastar da sua forma primordial, na qual se assemelhava ao teatro, passando pelos primeiros movimentos de câmera, cortes de imagens, mudanças de planos até os mais recentes truques de linguagem de filmes como Matrix, Desconstruindo Harry ou Amnésia. Não foi uma evolução instantânea, do dia para a noite, mas ocorreu paulatinamente, acostumando o público com um novo passo dado antes de executar o próximo.

O desenvolvimento e popularização de um programa, sistema operacional ou equipamento de informática segue um princípio muito semelhante ao processo de evolução do cinema. Ou pelo menos deveria seguir, na maioria dos casos, deixando o tempo se encarregar de acostumar as pessoas aos elementos básicos e genéricos de um programa e só então apresentar-lhes novidades que enriqueçam a sua experiência pessoal ou profissional com o sistema.

Mas normalmente o desenvolvimento da conexão entre os usuários e os programas, ou seja, a interface, não merece a devida atenção dos programadores, sendo muitas vezes negligenciada ou considerada como um mero adendo estético. Em geral, a responsabilidade no aprimoramento da interface dos programas é transferida para os próprios usuários, relegando-lhes a tarefa de criar ?peles? (skins) sobre os softwares, em uma verdadeira cisão entre estética e funcionalidade. Muito raramente conseguimos ver uma comunidade em torno do desenvolvimento de um programa se preocupar com a clareza e praticidade com que as suas funções são apresentadas aos seus usuários, como no caso do Jahshaka, programa para edição de vídeos.

O modo como os programadores conseguem cativar os usuários a utilizarem confortavelmente um sistema, seja ele um programa, uma ferramenta na web ou um aplicativo, depende em grande parte de facilitar para esses usuários os ?caminhos das pedras?, isto é, indicar claramente onde cada função se encontra e sinalizar adequadamente a importância de cada função. Porém habituar o usuário ao seu sistema requer ensinar a utilizar o seu sistema paulatinamente, função por função, antes de acrescentar outras novas ao programa. Talvez indo ainda mais longe, os usuários precisam perceber que o sistema possui uma lógica própria de funcionalidades bem conectadas entre si e não apenas distribuídas aleatoriamente em menus, janelas, botões e tabs. E tão logo os usuários percebam esta lógica, acrescentar outras funcionalidades ao sistema passa a ser apenas uma questão de tempo até que as pessoas se habituem às funções anteriores. Se hoje em dia somos capazes de entender e nos adaptarmos a novas evoluções lingüísticas que surgem no cinema, como os efeitos de congelamento do tempo em Matrix, é porque gradualmente as pessoas e a sociedade foram se habituando ao modo como os filmes são construídos para formarem uma narrativa, desde o seu advento no final do século XIX até os nossos dias. O mesmo princípio vale para o desenvolvimento de um software ou de uma interface entre o ser humano e a máquina. Porque jogar milhares de funções de uma única vez em um programa, apenas para demonstrar do que ele é capaz, é o equivalente a projetar um filme como Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças ou Quero Ser John Malkovich para aquela platéia que fugiu correndo durante a primeira projeção de cinema dos irmãos Lumière. Às vezes é preciso começar devagar e ensinar os passos básicos de um sistema antes de começarmos a aprimorá-lo em demasia, mesmo que estejamos vendo muito além do nosso tempo o que o sistema pode oferecer.

Sobre o autor

Frederick Montero, diretor, produtor e editor de vídeo. Formado em Filosofia pela Unicamp, é diretor do vídeo Supermegalooping, premiado no Primeiro Festival de Vídeos pela Internet. Mantém o blog sobre mídias digitais d1Tempo Digital.


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