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Por Frederick Montero
Data de Publicação: 10 de Novembro de 2006
Existem idéias que ficam tão impregnadas no senso comum que não surge contestação alguma contra sua aplicação. Todos aceitamos determinados conceitos como verdades absolutas, tão certas quanto o chão que pisamos. Certa vez me perguntaram se, com a derrocada do socialismo no final da década de 1980, poderíamos considerar o sistema capitalista como o sistema definitivo. Minha resposta foi que só a história poderia dizer, porque assim como o feudalismo durou diversos séculos até ser confrontado com o capitalismo, o capitalismo tinha pouco mais de dois séculos, o que era cedo para afirmar se não iriam surgir outras alternativas séculos mais tarde. Ora, como bom descendente de espanhóis, gosto de exercer de vez em quando o meu lado anarquista, desafiando quaisquer idéias pré-concebidas e demonstrando que por mais que uma idéia no momento pareça a melhor opção, nem sempre ela está livre de críticas. Como por exemplo, a noção de democracia, atualmente tão valiosa para a sociedade ocidental, como forma de se dizer diferente da cultura do Oriente Médio.
Quando estudante de filosofia, lembro-me de uma passagem de Platão na qual ele alertava que a democracia era um sistema político regido pelo império das cores: quanto mais uma proposta chamasse a atenção de nossos sentidos e sentimentos, maiores eram as chances dela predominar. Para Platão, a democracia conduzia a sociedade por meios menos racionais e mais sentimentais e sensoriais, pois bastaria que uma idéia cativesse a maioria das pessoas para ela acabar prevalecendo. Não deixa de ser uma crítica válida, mas vale salientar que mesmo acertando na crítica, Platão erra em atingir os alicerces principais que sustentam o sistema democrático. Segundo seu ponto-de-vista, assim como de grande parte da população, a democracia é uma tentativa de conduzir a sociedade para o caminho correto, como se a voz da maioria pudesse dizer qual o melhor caminho para todos. Mas a sua grande vantagem não está na pseudo-sabedoria da maioria, como se a partir dela pudéssemos atingir o estado perfeito das coisas e a sociedade se transformasse em um organismo imutável tendo chegado ao paraíso nas relações entre as pessoas. A principal característica da democracia está na sua agilidade para consertar os problemas advindos de uma má escolha e na habilidade de rapidamente adequar os fundamentos de um sistema às necessidades e ao pensamento da sociedade. Ou seja, seu valor está mais na capacidade de evitar problemas à longo prazo do que em achar soluções a curto prazo, como em um jogo de tentativa e erro na esperança de encontrar as melhores opções para todos em um determinado instante da história. Acontece que nada está livre de críticas e a fé cega na decisão da maioria como uma solução para todos os impasses aos quais podemos estar sujeitos pode levar a distorções desagradáveis.
Não é raro que, na ocasião do aprimoramento de um programa, os desenvolvedores de programas cedam a tentação de utilizar uma votação ou escutar os repetidos pedidos nos seus fóruns de discussão para decidir quais os recursos que deveriam entrar no seu projeto. A idéia parece lógica e fácil: oferecer a todos o que a maioria requisita. Acontece que nem sempre o clamor por novos e mais sofisticados recursos pode ser levado em conta na hora do desenvolvimento de um produto (espero que não tomem a palavra sob a ótica de uma visão mercantilista). Se por um lado você pode estar recebendo elogios pelas funcionalidades que incorporou, por outro lado, você pode estar perdendo público para outro programa com recursos nem imaginados antes por você ou apenas por uma facilidade maior ou preço menor. As opiniões elogiosas nem sempre são seguidas pela adoção generalizada da sua solução. Ao contrário, pois não é raro que o excesso de zelo em agradar a todos acabe por não agradar ninguém. Aquela maioria que você contava em agradar passa a abandonar o seu produto e a adotar o do concorrente, que soube focar o seu projeto em funções pouco visadas, porém de um alcance maior e mais profundo na experiência dos usuários. Muitas vezes uma única vantagem bem colocada e aproveitada, no momento oportuno, supera uma multidão de outras vantagens mal aproveitadas, dispersas e difíceis de utilizar. O Firefox é um exemplo disso. Pois independente de todas as outras vantagens que ele possa ter sobre o Internet Explorer, seu trunfo está principalmente na confiabilidade que transmite aos internautas.
Isso não significa que o desenvolvedor de programas deva fechar os olhos e ouvidos para o que o seu público lhe pede. Nem muito menos ceder à tentação de impor a ditadura da sua opinião. Significa sim aprender a ouvir corretamente as reais necessidades que ficam ocultam nas entrelinhas do discurso das pessoas. Os pedidos de mais funções para um programa podem significar uma integração melhor e mais fácil com determinados recursos e opções. Como no caso dos iPods, nos quais surgiu a distribuição de programas de rádio via podcast, em resposta aos pedidos para integrar rádio FM nos aparelhos.
Portanto é preciso ter um cuidado enorme ao traçar uma linha direta entre os desejos da maioria e os aprimoramentos que se pretende implementar ao seu sistema. Porque o tal de espírito democrático que deveria lhe ajudar a agir pró-ativamente passa a funcionar como uma pós-crítica ao seu produto e a maioria de seus usuários lhe abandona em detrimento de outra solução. No campo político, nós costumamos esquecer que a principal função das eleições a cada quatro anos não é apenas decidir por um governante melhor e mais apto a conduzir o governo, mas sim expressar nosso descontentamento com a gestão anterior, ao rejeitarmos no voto as opções que os governantes anteriores nos oferecem.
No desenvolvimento de um sistema na área de informática, não deixa de ser diferente. Os usuários de um programa olham mais para a boa ou má experiência que tiveram no uso dele, ainda que nada daquilo que eles desejavam antes das mudanças implementadas tenha sido cumprido. E é fácil de perceber essa noção quando o assunto diz respeito a sistemas operacionais, pois o atual momento representa uma oportunidade fantástica para o Linux se colocar como uma alternativa viável ao Windows. Isso se decidir buscar o seu jeito próprio de ser com relação aos usuários finais, ao invés de apenas tentar reproduzir palidamente a experiência que se tem com o sistema da Microsoft, apenas porque é o mais utilizado no mundo. Mas agora eu entro em um assunto mais propício para ser tratado em outro artigo...
Frederick Montero, diretor, produtor e editor de vídeo. Formado em Filosofia pela Unicamp, é diretor do vídeo Supermegalooping, premiado no Primeiro Festival de Vídeos pela Internet. Mantém o blog sobre mídias digitais d1Tempo Digital.
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