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MAS SERÁ O BENEDICT? - Novela Linux em 8 capítulos - Parte 2C

Por Franklin Carvalho

Data de Publicação: 26 de Agosto de 2013

Uma hora da manhã, desconfortos múltiplos. Quando acordou, com o corpo todo dolorido, com aquela desagradável sensação de atropelamento, ainda com o zunido nos ouvidos, tremendo de frio, Robert esgueirou os olhos para a janela e viu uma profusão de flocos de neve caindo. Pegou seu celular e acessou o site do Estado de Minas para inteirar-se das últimas notícias, na tentativa de saber algo sobre o ocorrido no Cemitério do Bonfim.

"BH agora -16, mínima prevista de -32 e máxima de 41". "Ananias rasteja pela porta dos fundos novamente". "Aécio Neves, após 54 anos, visita Minas". "Nevasca fecha São Tomé das Letras. Congestionamento recorde de OVNI's". "Coisas do outro mundo: ET de Varginha confessa não entender a língua de Cordisburgo". "Governador desabafa: Façam greve em qualquer lugar, menos em Salinas!". Greve disso, greve daquilo, os quebra-quebra reclamando da absoluta falta do que quebrar, etc, etc, mas nada, nenhuma linha, sobre a explosão no cemitério.

Puxa! Neve em BH? Robert ficou surpreso por sua ignorância geográfica e climática. Muito exausto e friorento, resolveu voltar a dormir. Agarrou o ursinho debaixo do edredom e logo estavam em loops infinitos com Morpheuzzz. Zzzz.

Voltou a acordar lá pelas cinco da manhã. Sem zumbido, visivelmente reformatado, pronto prá outra, e... suando em bicas. Estava encharcado e o ursinho parecia um Modess de piscina. Pulou da cama e ligou a TV com o controle remoto. Enquanto isso abria também o registro do chuveiro.

Na BandNews passava, naquele momento, a coletiva do Mantega. Langdon era fascinado por Celso Furtado desde a faculdade e economia brasileira passara a ser um de seus interesses, tamanha sua admiração pelo gênio. Resolveu prestar atenção na fala do ministro:

"Se cada cidadão brasileiro poupar um milhão de dólares todos os meses, ao final de um ano ele terá doze milhões de dólares. Em cinco anos serão sessenta milhões de dólares. Precisamos incentivar a poupança. É tão simples pessoal!"

Depois dessa, apavorado, zapeou por alguns canais e encontrou a Globo News. Vinte minutos depois desliga a TV. Nada...

Viu o bilhete do Celinho ao lado da agenda:

Mr. Langdon, espero que acorde melhor do que ontem. Uma boa noite de sono é tão bom quanto excluir uma partição Windows.

Aconteceram alguns imprevistos que me impedem de acompanhá-lo amanhã. Não se preocupe pois já combinei com o Daniel Peres, do nosso setor de suporte, para substituir-me. Falei também com o Pedro Bizzotto, responsável por nossa área de segurança, e ele felizmente conseguiu salvar duas fotos íntegras e uma bem danificada do cartão. Perguntei-lhe se eram da lápide e ele confirmou. Ele vai preparar, durante a madrugada, um relatório detalhado de análise das fotos e vai dar um Gimp nervoso para restaurar a danificada. Ele é o nosso perito em análises criptográficas e adora enigmas.

O Daniel Peres o encontra no hotel amanhã por volta das 11:30. Ele levará consigo o relatório impresso do Pedro, as fotos em um pendrive e algumas lembrancinhas de Minas que minha mãe pediu para lhe entregar. Não hesite em ligar para mim no XXXX-XXXX, para o Pedro no XXXX-XXXX ou para o Daniel no XXXX-XXXX. Selinho de boa noite Mr. Langdon! Durma bem...

PS: Não pergunte nada ao Daniel referente ao noivado.

Já eram 8:00 horas e Robert estava faminto. Desceu ao refeitório e encontrou uma balbúrdia de pessoas gritando para serem atendidas pelo solitário gerente, que corria de um lado a outro, ouvindo destas todo tipo de insultos. Não quis se estressar e foi tomar café da manhã em outro lugar. Ao sair, Robert olha para um lado, olha para o outro, e avista um Posto Ipiranga. Vai até lá e pede uma indicação. O frentista diz que naquele horário, aberto, só o Clube da Esquina. Quebra pras esquerda, anda mais um tantin, abre o portão da casa do Fiat 147, faz um cafuné no Faísca e o cachorro te leva na porta. O bichin adora fazer isso porque o pessoal do Clube enche a caneca dele de cerveja.

Dito e feito. Faísca levou Langdon até a porta do sobrado, latiu, e logo veio um cara com a breja do rapaz.

— Brigaduuu Faísca! Taqui a gorjeta!, diz o garçom sorrindo enquanto tenta se lembrar daquele rosto conhecido. O rabo do Faísca girava mais que hélice de avião. Quando a caneca estava na sua frente no chão foi só Schlep! Schlep! Schlep!

— Cê num é aquele que... ? Gente é o Longdong!, gritou o garçom na porta do Clube, feliz por conseguir lembrar.

Agarrou-lhe pelo braço e irrompeu pelo ambiente arrastando Robert até a mesa dos convidados, bem ao lado do piano. Estala os dedos chamando uma menina para atender, trocando a simpática expressão do olhar por uma de Pitbull com fome e ordena: Cata logo uma Anísio, uma Vale Verde, uma Germana, uma Lua Cheia, uma Seleta, uma Indaiazinha, uma Piragibana, uma Claudionor e uma Boazinha que o ómi acordou agora! Traz também, bem quentin, uma Manoel Sapateiro, umas quinze bistequin, uma Vaca Atolada e um Tutuzinho com torresmo prá acompanhar a feijoada! Xispa, corre!

— Sô vai desculpá, vou ligar pruns cumpadre prá avisá que o Longdong chegou! Eles vão ficá tão feliz nas foto! E sai correndo de perto do emudecido convidado. Robert olha ao redor e indaga a razão de todos estarem com a cara na mesa, aparentemente ignorando sua presença. Talvez em Minas a Siesta seja às 8:00, sei lá..., pensou Langdon.

Quando a menina traz os primeiros copos americanos cheios até o talo em sua mesa, Robert aproveita para perguntar: Puxa! Só voces abrem cedo por aqui? Mais ninguém?

— Óia, a gente nunca abre cedo poisquê os cliente num gosta que a gente fecha, respondeu a guria. Mãezin tá deisde terça esperando eu voltá... Mas agora que cê chegou, tô até gostando...

— Sem querer bancá a abusada, é verdade mesmo o que o povo diz do Longdong?, cochichou enrubescida. Eu nunca tinha visto uma foto sua, não sabia qual a sua cara, me desculpa a gonorançia, mais migaminha postô no Face dela uma foto do Longdong que me assustô. Fiquei oito minutos no PgDn até chegar lá embaixo... Meio desajeitada prometeu logo voltar com os pratos e, já de costas, fez o sinal da Cruz.

Eis que chegam, então, os primeiros ilustres do Clube. Primeiro entra o Lô, depois o Márcio, depois juntos o Flávio e o Beto. A seguir, sozinho, o Wagner, que salta na frente na fila.

— Langdon, perdoe os pecados do mundo..., disse visivelmente consternado Wagner. O besta do balcão te confundiu com o..., com o do DVD com as freiras... , o do Guinness..., nem tenho coragem de falar, disse interrompendo o rumo da explicação. Despistou para um amável "Somos todos seus fãs. É um prazer tê-lo entre nós, Mr. Langdon". Entre diversos e efusivos apertos de mão e abraços, alguém sugere um brinde ao convidado antes de sentarem. Com os braços erguidos, às 8:14 de uma bela e cálida manhã ensolarada, todos, e Langdon acompanhando-os para não parecer esnobe e muito menos um frouxo, entornam à la cowboy os copos em uma barulhenta saudação.

Langdon elogia muito a qualidade da bebida que ele desconhecia, o que encoraja e anima o grupo, e fazem mais umas quatro sessões de brindes cowboy. Sentindo que o intenso calor e a descontração do ambiente permitiam-lhe tirar o paletó, se levanta e coloca-o cerimonioso nas costas da cadeira. Aproveita e já tira a gravata também. Observando que todos estavam de havaiana, bermuda e camiseta sem manga, tira o cinto da calça e a camisa, para ficar apenas de calça, camiseta e sapatos. Ah, como é bom aproveitar a brisa fresca da manhã!, pensou ao refestelar-se na cadeira. Mas logo vieram pensamentos para aumentar aquela boa sensação corpórea. Aproveita e tira sapato e meia. Agora sim, ficou bom... Robert sentia a felicidade das coisas simples, como o ficar balançando os dedos do pé a esmo naquele momento.

Langdon explode em sonoríssimas gargalhadas ouvindo-os contando centenas de causos hilários sobre a mineirada. Estava tão absorto que não havia notado que os silenciosos clientes que encontrara pela manhã tinham todos evaporado porta afora, certamente para não incomodar. Aquilo o surpreendeu. Que gente educada essa!, dizia ao seu orgulhoso bem estar enquanto se confundia em reconhecer aquela calça sob uma camiseta de sua marca preferida no chão, embaixo de sua cadeira. Seus pensamentos estavam um tanto desorganizados.

Depois daqueles deliciosos nove quilos e meio de pratos típicos lambidos até o brilho absoluto, daqueles inebriantes dezenove copos americanos de bebidas locais de diversas marcas, das memoráveis risadas histéricas na audição dos causos inesquecíveis, achou justo tirar um breve cochilo, ali no chão mesmo, enquanto o grupo se confraternizava. Não quis incomodá-los com um fútil aviso.

Eram 09:38 quando Márcio Borges fez um fiu-fiu na porta chamando o Faísca, que rapidamente apareceu com a hélice do rabo ligada. Márcio pediu que ele indicasse onde deveriam levar a maca com o moribundo americano. Faísca faz um 2x5 com a pata, que Márcio conhecia como ninguém. E o cachorro sai em disparada rumo ao Posto Ipiranga.

— Wagner, Lô, Beto, Flávinho, deixem a maca com o convidado aí no chão, vamos tomar a primeira saideira que o Faísca já volta com o mapa, disse Márcio, já meio alegrinho também.

Um olha pro outro e perguntam: Que maca? Que convidado? Márcio, qual qui cê tomô qui nóis não? Cê tá roubando na conta, uai...

Enquanto isso, a astúcia de Faísca, que já voltara ao Clube, convertida em compaixão, agora conduz o engatinhante de cuecas através da praça rumo ao hotel. O percurso era pequeno, cerca de 80 metros, porém árduo. Langdon se sentia na Lua pela primeira vez (Um pequeno passo para o homem mas...).

O gerente mais uma vez, já meio cheio de levar o corpinho do professor para dentro (todo dia, tudo eu), ergueu-o inerte na calçada e deixou-o de quatro, só de cueca, com a cabeça encaixada na privada, no banheiro de funcionários do térreo. O gerente sabia mais do que ninguém quando alguém iria querer conversar com o Sr. Hugo. Talvez, para apressar o processo, correu na cozinha, encheu uma canecona com caldinho de feijão, picou quatro pimentas da Dona Zenaide dentro, duas colheres de Wasabi, um pouco de pó de gengibre selvagem e uma colher de sal amarga. Mexeu com a colher e levou ao microondas por dois minutos. Trouxe também uma garrafa de cerveja.

Volta rapidamente ao banheiro dos funcionários, levanta o abobalhado e obriga-o a tomar a sopinha. Tapinha nas costas, você logo vai se sentir melhor e sai correndo com a garrafa de cerveja na mão. Ajusta quatro minutos e dez no cronômetro do relógio, passa pelo hall, pega o tupperware embaixo do balcão, e vai ao encontro de Faísca na escadaria do hotel. O cachorro tinha por política não fazer fiado. Com o tupperware cheio até a tampa, Schlep! Schlep!

Aquela precisão britânica do gerente era fruto de sua larga experiência. Em exatos quatro minutos e trinta e três porquinhos, o gerente, munido de máscara antigás, invadiu o banheiro com a potente WAP anti aliens. Nos doze segundos seguintes sai correndo do banheiro um recém desperto acadêmico encharcado, de cueca samba-canção, quebrando todos os recordes de Usaim Bolt escadaria do hotel acima. Langdon fez os quinze andares em menos tempo do que Bolt houvera conseguido nos 50 metros rasos.

Mas o que surpreendeu mesmo o pobre gerente exterminador foi encontrar o bilhete que Langdon deixou no balcão do hall antes de subir os quinze andares até a cobertura:

"Estou à espera de Daniel Peres. Avise-me quando ele chegar, por favor. Vou tomar um banho quente e logo descerei. Obrigado, Robert Langdon"

To be continued...

Sobre o autor

Sou Linux desde criancinha. Foi meu amigo Rodney, creio em 1998, que me botou no barco quando me deu um curso de um minuto e meio de VIM mostrando como entrar, editar, salvar e sair. Em seguida me apresentou o MAN dizendo: Te vira, tá tudo aí, dá um Q para sair e um mc para passear. Então virou as costas e foi embora. Anos depois meu grande amigo, o abominável Júlio das Neves, o Papai do Shell, me deu de presente um curso profissional de Shell Script em uma caverna do Afeganistão. Nesse meio tempo li o livro Unix Text Processing, igualmente marcante. Agradeço aos amigos Rodney, Júlio, Rodrigo, CelinhoPlace, Aurélio2txt, Henrique, Red Alexandre, Queiroz e família, os Brod, Lucas da Óxenti, Sulamita, Roxo, K_Helinho, Renato, Edson Perl, os 4Linux e também os Solis, o grande Mr. Lutkus, Orlando Nipo, e tantos outros que conheci através da finada Revista do Linux, empreita que tenho orgulho de ter participado. A lista é longa demais mas preciso dar um << EOF.

Trabalho com jornalismo de informática, direta e indiretamente, há anos. Fiz alguns prefácios de livros de amigos nos últimos anos os quais referencio como sendo o núcleo de uma organização clandestina a quem pessoalmente chamo de a "turma do MAN Salão". Punto, já falei demais. O resto, nem sob tortura.

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