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Governo expulsa PC popular das escolas

Colaboração: Rubens Queiroz de Almeida

//Artigo de autoria de Sérgio Abranches, cientista político. http://no.com.br//

Data de Publicação: 03 de Setembro de 2001

No próximo dia 31, o governo vai expulsar o computador popular das escolas públicas de ensino médio do país. Concebido para combater o risco de exclusão digital em nosso país e recebido com entusiasmo pelo presidente Fernando Henrique, o projeto será vítima de uma ação conjunta do MEC e da Anatel.

O edital de licitação para os equipamentos que farão parte do projeto de universalização de serviços de telecomunicações em escolas públicas de ensino médio e profissionalizante, com recursos do Fust (o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), já contém os elementos dessa expulsão. Ao indicar os equipamentos, o edital os divide em três grupos, A, B e C. Para os tipos A e B, os nobres, especifica como único sistema operacional admissível o Windows ME. Para os de tipo C, o plebeu os sistemas operacionais Linux ou Windows CE.

É assim que uma boa idéia pode ser desvirtuada pela submissão a visões parciais e preconceitos. Provavelmente, nem os da classe C serão adotados com a linguagem Linux, para não haver incompatibilidade entre softwares e a opção preferencial pode ser o Windows CE.

Não sou especialista na área, nem estou entre os que vêm mais do que erro e tibieza na decisão governamental. Mas também não me incluo entre os analfabetos digitais. Estou convencido de que, ao dar o monopólio da parte mais importante do programa à Microsoft, o governo está optando por um caminho mais caro Ö a economia em licenças permitiria aumentar o número de máquinas por escola ou a quantidade de escolas informatizadas Ö e mais pobre do ponto de vista pedagógico, científico e tecnológico.

PC popular da Índia pode sair antes

Os PCs populares são mais baratos porque estão montados em plataforma Linux. Além de eliminarem o custo de licenciamento de software Linux e os aplicativos básicos que rodam nele são gratuitos e podem ser mais simples por causa da flexibilidade do sistema operacional e da sua facilidade para operar em rede.

Existem alternativas já funcionando, que permitem substituir, sem qualquer desvantagem técnica, mas com economia de recursos financeiros, as estações de trabalho pessoal monoprocessadas, por estações de trabalho pessoal, plenamente funcionais, porém operadas em rede, por boot remoto. Cada terminal pode prescindir de HD e ligar acionando o servidor de rede. Isto reduz significativamente os custos, sem perda significativa de funcionalidade ou privacidade. Podem ficar ligados 24 horas à internet, por meio de um switch, facilitando a interconectividade.

Sem perda de qualidade, as escolas poderiam ser mais bem servidas por configurações mais econômicas, cumprindo as mesmas funções daquelas baseadas em Windows. A economia realizada permitira colocar mais computadores nas escolas ou adicionar mais escolas ao programa.

Não é por acaso e talvez seja por descaso que a Índia passou à nossa frente no desenvolvimento do computador popular, com o seu Simputer, que deve ser lançado em novembro. O Ministério da Ciência e Tecnologia de Portugal, pelo que fui informado, firmou recentemente convênio com a Índia para utilização do Simputer no programa português de computadores de baixo custo.

Edital direcionado impede a concorrência

Bastaria deixar que o processo competitivo determinasse, com equanimidade de regras, que soluções atenderiam e a que custo às funções operacionais e computacionais consideradas necessárias ao programa. Para que trabalhar com carta marcada, se é possível determinar a melhor solução à luz da informação que seria trazida nas ofertas à licitação? Porque não permitir que a contestabilidade recíproca definisse os vencedores?

Hoje, tudo o que o edital e suas escolhas prévias produziram é controvérsia. Conseguiu desagradar a uma parte ativa da comunidade científica, gerar desconfiança sobre as intenções por trás do edital, hipóteses conspiratórias lesivas à imagem do programa e do governo. No dia 31 de agosto, se o governo tivesse aberto seu programa à concorrência real, as escolhas poderiam ser transparentes, baseadas na comparação entre propostas concretas, demonstráveis, portanto, tecnicamente isentas e de acordo com regras justas.

Se o objetivo é universalizar os serviços de telecomunicações nas escolas, não haveria razão alguma para excluir as soluções Linux da parte central do programa. Este sistema operacional é mais eficiente como suporte para redes e tem capacidade similar para navegação na internet, onde passamos por incontáveis sites em Linux, sem saber.

Solução inibe inovação

Mas não é só o computador popular, excluído das escolas, que o governo atinge com essa escolha unilateral. Ele fere fundo iniciativas de desenvolvimento de tecnologias na plataforma Linux, todas muito criativas e que representam efetiva absorção de conhecimento. Cria desincentivos ao invés de incentivos. Desarticular ações, que deveriam ser integradas: não faz sentido compartimentar o que se faz no âmbito do Fust que tem profundas implicações científicas e tecnológicas para o país e as ações de desenvolvimento científico e tecnológico em computação e gestão de informação.

Recentemente, visitei um laboratório emergente de ciência da computação e pude ver a energia criadora que o programa aberto gera nos estudantes e professores. Capazes de usar os códigos fonte para desenvolver novas rotinas ou aperfeiçoar as existentes, para criar novos aplicativos, tornam-se produtores de tecnologia. Seus desenvolvimentos são colocados nas páginas dedicadas ao Linux na Web, para acesso geral. E eles vêem seus programas aparecerem no ranking de downloads, à medida que outras pessoas baixam suas criações para usá-las, testá-las ou aperfeiçoá-las.

Tenho certeza de que se o presidente Fernando Henrique tivesse visitado um desses centros de soluções tecnológicas avançadas que utilizam o Linux, não teria permitido a exclusão dessa numerosa, crescente e criativa comunidade de um dos programas mais importantes de seu governo. Nem teria, talvez, achado tão espetacular a oferta de Steve Ballmer de dar acesso a algumas universidades brasileiras ao código fonte do Windows. Fala-se muito, na imprensa especializada, que a Microsoft está ficando mais aberta com o Windows, porque estaria prestes a abandoná-lo para avançar na direção de um sistema operacional orientado para a Web.

Todos operam na lógica de mercado

Quem me lê sabe que não sou nacionalista, nem conspiratório. Não vejo em tudo o Consenso de Washington, nem o braço do imperialismo, nem a ameaça neoliberal, nem a hegemonia do Grande Irmão do Norte. Sou avesso a protecionismos e não estou entre os que consideram a empresa estrangeira um agressor de nossa soberania. Mas também não sou ingênuo. Nunca ouvi dizer que a Microsoft abra seu programa operacional, sem condicionalidades, dando a quem tem acesso a seu código fonte a mesma liberdade de criação e uso do produto de sua inventividade que o Linux oferece.

Também não acho que a comunidade Linux seja composta apenas por filantropos e socialistas sem interesse comercial. O Linux dá sustentação a uma ampla gama de prestadores de serviços e empresas de aplicativos especializados. A vantagem é que quem desenvolve programas nessa plataforma só se torna proprietário na ponta, no aplicativo final. Na base, ele é aberto e permite, portanto, a qualquer um usá-lo para criar livremente suas próprias soluções e oferecê-las ao mercado da forma que eleger.

Brasil é parte de uma guerra comercial

Está em curso, porém, uma guerra por mercado entre a Microsoft e aqueles que optaram pelo Linux. E o Brasil é campo de uma das mais críticas batalhas, por causa do tamanho de seu mercado e pelo seu potencial de crescimento. Talvez o presidente e os ministros Pimenta da Veiga e Paulo Renato não soubessem disso. Talvez não soubessem, também, que mais de 60% dos servidores Web do mundo usam o sistema Linux/Unix, segundo mostra a Netcraft, contra 30% para a Microsoft. Se soubessem, talvez patrocinassem um edital mais aberto, para um programa mais democrático e mais propiciador do espírito de criação científica e tecnológica de que tanto precisamos.

A IDC, empresa especializada em tendências em tecnologia da informação, projetou o crescimento do Linux em 28% ao ano, fazendo com que se torne o mais usado sistema operacional do mundo por volta de 2005. Isto sem contar downloads gratuitos na Internet. No Brasil, a principal distribuidora de Linux, distribuiu ano passado mais de um milhão de cópias de sua versão desse sistema operacional. Em 97, havia distribuído três mil cópias. Esse enorme salto a transformou em um dos cinco maiores distribuidores de Linux do mundo.

O próprio Steve Balmer, reconheceu recentemente que o Linux é a maior ameaça que a Microsoft enfrenta hoje, causando grande comoção na comunidade. Essa declaração tem sido contraposta à opinião do responsável pelo Windows na Microsoft, Jim Allchin, de que o software aberto pode matar a inovação. Não foi o que observei nos laboratórios de computação, mobilizados e entusiasmados com as possibilidades de criação e inovação que o Linux abre para eles e que não são propiciadas por outros sistemas operacionais, especialmente pelo Windows. Allchin apela até para o argumento nacionalista sou um americano e acredito no American Way, ele disse à Bloomberg, Óe fico preocupado se o governo encoraja o código fonte aberto. Falando assim, só pode estimular um conflito ideológico, por cima da guerra comercial. Não faz sentido.

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