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Colaboração: Rubens Queiroz de Almeida
Data de Publicação: 28 de Agosto de 2000
Estou reproduzindo aqui uma matéria que saiu no jornal Correio Brasiliense abordando a questão da saúde dos trabalhadores em informática. Este é um assunto muito importante e se você tiver um tempo, não deixe de lê-lo.
Quase 70% dos analistas de sistemas sofrem de fadiga mental. Casos forçaram até acordo entre patrões e empregados
Valquíria Rey Da equipe do Correio Brasiliense
Marcos Fernandes 2.6.2000
Conceição Granado, analista de sistemas, largou a profissão: ''Chorava e tremia quando enxergava um computador na minha frente'' São Paulo - As lágrimas escorrem no rosto da analista de sistemas Conceição Aparecida Granado, quando lembra dos 40 dias em que sofreu grave crise de amnésia e apagou da memória detalhes de sua vida. Ela trabalhava até 15 horas diárias, incluindo finais de semana, no centro de processamento de dados de um banco. Não reclamava da falta de tempo para ir ao médico tratar infecções urinárias e constantes dores de cabeça. Acabou sentindo os piores efeitos causados pelo cansaço e o estresse de sua profissão.
Conceição, de 44 anos, ficou cinco meses afastada do emprego e só conseguiu retomar a atividade com medicação e muitas horas em sessões de análise e psiquiatria. Hoje, passados dois anos, ela tem certeza que o problema poderia ser evitado se tivesse diminuído o ritmo de trabalho. Seu drama é um dos exemplos citados pela diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados de São Paulo (Sindpd) para ilustrar os riscos a que estão sujeitos os analistas de sistemas no ambiente de trabalho e a importância da prevenção para diminuir ou evitar doenças ocupacionais.
Há um mês, a categoria conquistou importante vitória. O Sindpd, juntamente com o Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática (Serprosp) e a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) assinaram uma convenção coletiva para prevenir esses tipos de doenças.
Um dos aspectos mais importantes da nova legislação é a preocupação em diminuir os fatores que prejudicam a saúde mental dos trabalhadores. Exemplos: as empresas estão obrigadas a reduzir o nível de ruído nas salas, a estabelecer um grau saudável para a temperatura e a iluminação do ambiente de trabalho e têm que, obrigatoriamente, realizar exames médicos constantes para evitar que os males somente sejam identificados quando já são sérios. A falta de cumprimento dessas orientações implicará até sanções pelo Ministério do Trabalho - embora ainda não tenham sido definidas.
A preocupação é fundamental: como o raciocínio lógico é uma das principais características da profissão, os analistas são vítimas em potencial de distúrbios mentais e comportamentais. Conceição é apenas uma das vítimas das doenças decorrentes de sua profissão. Teve uma amnésia estressante temporária. Meu cérebro estava muito sobrecarregado, recorda. ''Tudo foi decorrente do excesso e da pressão no trabalho. Durante o período da amnésia, chorava e tremia quando enxergava um banco ou um computador na minha frente.''
Ela conta que muitos colegas sentem sintomas semelhantes aos que teve antes da amnésia e não vão ao médico. ''Eles se automedicam. Há grande número de viciados em aspirina, neosaldina, buscopan e antidepressivos'', assinala. ''Outros têm infecções urinárias constantes, porque não podem abandonar o trabalho para beber água ou ir ao banheiro.''
Pérsio Dutra, diretor do Sindpd, lembra do caso de outro analista que viveu grave situação de estresse, depois de passar 48 horas implantando um sistema. ''Ele foi até o estacionamento da empresa e começou a correr em círculos no sentido anti-horário'', revela. ''Horas depois de ter iniciado esse movimento repetitivo, seus colegas perguntaram o que estava acontecendo. Ele respondeu que estava correndo contra o tempo.''
Casos como esse são comuns entre os analistas. Estudo realizado por Lys Esther Rocha, médica do trabalho da DRT e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), revela dados alarmantes. Dos 553 trabalhadores entrevistados, 66% reclamaram de fadiga mental, 41% de cansaço físico e 35% de fadiga visual - cansaço na vista, sensação de peso nos olhos, enfraquecimento da acuidade visual, devido à permanência prolongada diante do monitor de vídeo do computador.
O estudo foi financiado pelo Ministério do Trabalho e mais tarde virou tese de doutorado da médica da DRT. Revelou que 73% apresentavam queixas quanto à irritabilidade. A ansiedade foi outra característica relatada por 68% dos profissionais. Entre os sintomas mais notados, 88% dos entrevistados disseram ser auto-exigentes. Segundo Lys Esther, essa característica é causada pela pressão psicológica sofrida.
''Eles não podem errar durante a elaboração de um programa de computador. Por isso são tão exigentes'', diz. ''O problema é que acabam transferindo essa 'qualidade' em seus relacionamentos. Muitos levam a relação compartilhada com o computador para o convívio com as pessoas. Acham que elas também não podem cometer erros.''
Os analistas são responsáveis pela implantação de sistemas de automação e de programas de computador. Eles organizam, por exemplo, a reserva de passagens das companhias aéreas, a folha de pagamento das empresas, os serviços de loteria esportiva e bancário via Internet. Para que tudo funcione perfeitamente, precisam prever possibilidades de erros e evitar que eles ocorram. É uma categoria recente - em torno de 30 anos - e crescente, devido a disseminação da informática em inúmeros ramos da atividade econômica. Um banco, uma metalúrgica, toda empresa que tem programa de computador conta com alguém para implementá-lo. O nome pode ser diferente, apesar das funções desempenhadas serem semelhantes.
Além de analistas de sistemas, são beneficiados pela lei os analistas de produção, de teleprocessamento, de bando de dados, de suporte ao usuário, programadores de computador, programadores de sistemas ou consultores de informática. Em São Paulo, são 50 mil pessoas, sendo que 85% têm curso superior e ganham entre R$ 1.800 e R$ 6.000. A maioria tem entre 25 e 35 anos, 70% são homens e, 30%, mulheres.
''O surgimento de novas tecnologias tem intensificado o ritmo de trabalho e as exigências mentais desses profissionais'', explica a médica do trabalho Lys Esther. ''Eles convivem diariamente com o dilema tempo versus qualidade. A pressão é muito grande.''
Segundo Lys Esther, o acordo permitirá que sejam redefinidos prazos para a entrega de sistemas. De acordo com ela, o sindicato das empresas também percebeu que estabelecer cronogramas mais humanos pode resultar em melhor qualidade. ''Além de melhorar a saúde dos analistas, a empresa terá resultado melhor'', afirma.
No documento dos analistas, também foram estabelecidas regras para uso de computadores e outros equipamentos no local de trabalho. Entre alguns dos benefícios, estão definidas características para o mobiliário usado e proibidos ruídos que interfiram na concentração. ''É uma vitória para a categoria. Uma vitória da saúde'', diz Dutra, diretor do Sindpd. Ele acredita na possibilidade do acordo trazer benefícios aos analistas de todo o país. ''São Paulo é a cidade mais informatizada do Brasil. Precisa dar exemplo'', afirma.
Mauro de Luca, diretor do sindicato das empresas descarta a possibilidade do acordo não ser cumprido. Todos serão beneficiados, justifica. ''Nenhuma empresa quer perder um bom profissional, já que demora anos para formá-lo. Será ótimo, se pudermos evitar ausências do trabalho e aposentadorias precoces.''
A analista de sistemas Conceição não terá oportunidade de aproveitar os benefícios da legislação. Abandonou a profissão há quatro meses. Hoje, é aluna de um curso técnico em radiologia e já fez outro em enfermagem. ''Foram mais de 20 anos dedicados a uma profissão que não me deu prazer. Não passei de um robô'', assinala. ''Agora, quero trabalhar com saúde. Fazer algo positivo para as pessoas.''
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