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Crônicas da Latinoware 2009 - Parte 6

Por Cesar Brod

Data de Publicação: 11 de Dezembro de 2009

"Ser ou não ser, eis a questão!", disse Hamlet ao saber que seu tio havia matado seu pai e comido sua mãe (não no sentido canibal da coisa), tudo para conquistar o reino da Dinamarca. Devia haver mesmo algo de podre no reino da Dinamarca naquela época... A célebre frase venceu o tempo, imortalizada por Shakespeare e mal interpretada até os dias de hoje. "Será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e setas com as quais a Fortuna, enfurecida, nos alveja, ou insurgir-nos contra um mar de provocações e em luta pôr-lhes fim?", segue Hamlet na poesia do bardo bretão. Quem não sabe se é ou não é, tem, de fato, muitas dúvidas...

A Microsoft fez uma proposta para participar da Latinoware com uma série de palestras especialmente voltadas a seu suporte ao PHP e ao projeto Mono. Eu achei boa a ideia. Sempre acho legal quando a Microsoft -- ou qualquer outra grande empresa de software proprietário -- aparece em eventos de software livre. Isto sempre gera uma boa polêmica, boas cobranças e, especialmente, permite que o software livre siga avançando adentro de trincheiras antes totalmente fechadas. Também tem a questão de que o software proprietário existe, gera negócios, mantém empresas e empregos e nós, que trabalhamos com software livre, não podemos fechar os olhos para esta realidade. Além disto, estávamos trabalhando na Latinoware com a questão de modelos de negócios viáveis para o software livre e, cá pra nós, já aprendemos muito com o modelo proprietário e ainda temos oportunidade de aprender muito mais. Com a diferença que cada vez mais temos coisas a ensinar e questões a discutir. Só pra ficar em uma delas: a propriedade intelectual é mesmo necessária nos dias de hoje ou já tá uma coisa tri-antiguinha?

Também não sou hipócrita. Nossa empresa, a BrodTec teve, por quase três anos, um contrato com a Microsoft, dentro do qual fizemos a gestão de desenvolvimento de softwares livres e de código aberto, alguns sob a licença GPL. Uma semana antes da Latinoware estive, como convidado da Microsoft, palestrando em um evento sobre código aberto na Venezuela onde, de antemão, avisei sobre minha posição quanto a patentes de software e propriedade intelectual. Não sofri censura alguma, muito pelo contrário. Eles gostaram da discussão justamente porque isto trouxe para o evento deles um público diverso, inteligente, cuja interação com os debatedores (que foi quente e intensa) certamente ajudou no direcionamento da empresa. Também podemos aprender com isso.

Antes de levar a proposta da Microsoft à organização, fui procurar saber com amigos das comunidades diretamente envolvidas, PHP e Gnome, se tinham algo contra a participação da empresa no evento. Não vou citar nomes aqui pois, os que quiserem, poderão manifestar-se nos comentários deste artigo. Ressalto que não fiz uma enquete! Apenas conversei com pessoas que considero representativas em suas comunidades. Nenhum deles tinha nada contra, muito pelo contrário. Na coordenação do evento, porém, as vozes não foram unânimes e a posição oficial da mesma foi a seguinte: "Por entender que os interesses da Microsoft são contraditórios a real profusão do Software Livre na América Latina, a Coordenação da Latinoware decide, respeitosamente, declinar da oferta de participação da empresa no evento". Como resultado, profissionais da Microsoft compareceram ao evento como participantes regulares, observando o que a comunidade de software livre tinha a dizer e, mais uma vez, certamente sabendo usar isto para melhor direcionar as ações da empresa.

Liberdade imposta não é liberdade. É uma afronta usar o nome "liberdade" quando se trata de qualquer imposição. Sei que isto pode parecer, muitas vezes, paradoxal, já que eu mesmo defendo as ditaduras benevolentes do software livre, sem as quais muitos projetos não avançariam. Também defendo a vitória pela superioridade técnica e um amplo campo de batalhas para a prova de tal superioridade. Agora, mesmo ditaduras benevolentes dão ouvidos aos inimigos na melhor forma clássica da "Arte da Guerra" do Sun Tzu. Fingir que o software proprietário não existe é brincar de avestruz. Impedir a vozes contrárias que manifestem-se é totalitarismo. Imagino se todo mundo que gosta de Java tivesse desistido de insistir com a Sun para que abrisse seus códigos e negasse a participação da empresa em eventos. Java teria o grau de abertura e liberdade que tem hoje?

Eu vejo muita gente usando Firefox, BrOffice, Gimp, MySQL, Drupal, SugarCRM e muitas outras coisas na plataforma Windows. Vejo muita gente possibilitando a migração de ambientes para o Linux com o uso do wine. Será que podemos dar-nos ao luxo de viver em um mundo puramente preto-e-branco, ignorando os múltiplos tons de cinza? Outros eventos virão e, pessoalmente, seguirei defendendo a participação ampla, geral e irrestrita de todos os que apresentarem temas condizentes com o evento em questão.

Sobre o autor

Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.

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