você está aqui: Home  → Coluna do Cesar Brod

De acordo com as Leis 12.965/2014 e 13.709/2018, que regulam o uso da Internet e o tratamento de dados pessoais no Brasil, ao me inscrever na newsletter do portal DICAS-L, autorizo o envio de notificações por e-mail ou outros meios e declaro estar ciente e concordar com seus Termos de Uso e Política de Privacidade.


Ficção Científica? #5

Por Cesar Brod

Data de Publicação: 11 de Setembro de 2008

Clique aqui para os capítulos anteriores

Reuben entrou no auditório junto com os outros 29 cientistas, depois de passar por uma extensa seleção. Não conhecia nenhum dos outros pessoalmente, apesar de ter reconhecido alguns nomes na lista que foi entregue a todos. Sabia que, ao final de mais dois meses de treinamento e novas seleções, restariam apenas doze deles. Destes, apenas seis embarcariam na missão e estes seis seriam escolhidos no último momento. Sobre a missão, a única coisa que todos sabiam é que ela envolvia um longo tempo de solidão em uma nave de exploração do espaço profundo, dotada de tecnologia altamente secreta, que seria divulgada a eles nos próximos dias.

A organização teve o cuidado de evitar que os 30 cientistas se encontrassem antes da reunião que ocorreria em instantes. Cada um chegou ao local do encontro por meios diferentes, sendo que o último trecho foi feito em transporte do governo, onde um agente entregou uma lâmina de texto criptografado que foi aberta com a autenticação biométrica simultânea, tanto do agente, como do cientista. O texto continha, além dos nomes dos selecionados, breves instruções de alojamento, restrições de contato com o mundo externo e a ordem explícita de que, mesmo na eventualidade de contato com outros cientistas, toda a conversa antes da primeira apresentação estava terminantemente proibida. Reuben entendia, ao menos em parte, a preocupação com tal silêncio. Não foram poucas as vezes em que o governo havia aberto informações à população, prometendo soluções para a esterilidade da Terra que acabaram por tornar-se ineficazes, despertando críticas tanto da comunidade científica como da própria população. A recente seleção e sorteio de pessoas para a colonização em larga escala de Vênus foi um destes casos.

Pontualmente às nove horas, as luzes do auditório se apagaram e uma voz anunciou: "Senhoras e senhores, Doutor Kazinski". O entusiasmo encheu a sala e os cientistas não contiveram uma salva de palmas. A falta de novas publicações de Kazinski, assim como seu desaparecimento dos meios de comunicação, fez muitos acreditarem que ele já havia morrido. Alheio à manifestação da platéia, o velho cientista começou a falar:

"Senhores, cabe a vocês a preservação da espécie humana. Cada um que está aqui deve ser capaz de dar sua vida, como a conhece, ao bem maior, à continuidade de nossa raça. Todos vocês foram rigorosamente selecionados para chegarem a este ponto e este processo de seleção ainda não acabou. Caso um de vocês não esteja disposto a contribuir com sua própria vida neste projeto, pode retirar-se deste auditório agora, pois não poderá ouvir o que eu tenho a dizer a seguir".

Os olhos estavam fixos em Kazinski, hipnotizados por seu poder. Ninguém saiu.

"Pois bem, sua permanência nesta sala é a representação formal de sua aceitação na continuidade deste projeto. Na saída deste auditório vocês receberão lâminas de textos e serão encaminhados a seus aposentos. Cada um terá o direito de contatar quem quer que seja, explicando que este poderá ser o último contato em um longo período de tempo. Vocês estão também livres para conversarem entre si, especularem o que quiserem, mas voltando a este auditório amanhã, neste mesmo horário, devem estar cientes que não poderão mais desistir. A única coisa que posso lhes dizer neste momento é a repetição do que já falei: disto que faremos depende o futuro da raça humana, vocês têm que estar dispostos a perder a vida por isto e podem não ver outras pessoas por muitos meses, ou anos, até o término desta missão."

As luzes do auditório acenderam-se. Os cientistas foram conduzidos a seus aposentos, onde estabeleceram contato com o mundo exterior revelando o pouco que lhes foi permitido e a seguir reuniram-se para um jantar. Kazinski ou outro representante do governo, qualquer pessoa a quem pudessem perguntar mais alguma coisa, não se fizeram presentes. Reuben não pensava em desistir. Sua mente de pesquisador estava alimentada pela curiosidade. A vida parecia um preço baixo a pagar, seja qual fosse seu destino. Ele imaginou, corretamente, que todos estavam com o mesmo tipo de pensamento.

No dia seguinte, a rotina repetiu-se. Todos foram ao auditório. Kazinski não precisava mais de apresentações e, precisamente às nove horas, começou a falar:

"Durante centenas de anos evoluímos computadores com inteligência artificial que buscavam imitar os processos do cérebro humano. Mas, assim como no passado ficamos anos e anos presos à arquitetura de von Neumann, a inteligência artificial ficou relegada a pequenos, ainda que significativos, avanços da arquitetura Subsumption. Eu resolvi fazer ao contrário. Por que não usar o próprio cérebro humano como um centro de processamento, adequando a entrada de dados e programas e removendo dele tudo o que pudesse atrapalhar em uma missão ao espaço profundo como a que estaremos envolvidos? Nestes últimos anos retiramos muitos cérebros de clones não despertados e fizemos muitas experiências..."

A partir deste momento, enquanto Kazinski falava, uma série de imagens tridimensionais era apresentada, mostrando a evolução de suas experiências.

"... a questão é que, como podem ver, estas experiências não puderam ir adiante até que conseguíssemos usar cérebros com maturidade suficiente. Cérebros que tivessem passado por processos formais de aprendizagem e maturado com o pensamento científico e com a interação com o mundo. Há cinco anos, dez colegas seus, outros cientistas brilhantes, cederam seus cérebros para a continuidade de nossas pesquisas..."

As imagens mostravam dez cientistas, alguns deles conhecidos pela platéia, com seus cérebros passando por cirurgias.

"... com eles, conseguimos aprimorar nossa técnica até podermos construir, com segurança, computadores realmente 'bio-neurais'. Um deles é este com os quais vocês estão falando agora!"

Neste momento, todos viram que o Kazinski que apresentava era um holograma e, em seu lugar, apareceu uma espécie de aquário com um cérebro visível dentro dele, conectado ao sistema de som do auditório.

"Para esta missão, precisaremos de dezoito cientistas que contribuam com seus cérebros para a montagem dos computadores que serão o centro nervoso e inteligente das naves e de mais doze que serão treinados para 'pilotarem' a missão. Vocês saberão de mais detalhes agora. Ainda aceitamos desistências, mas a penalidade para o vazamento de qualquer informação que adquiriram aqui será extremamente severa. Quem quiser desistir, deve fazê-lo imediatamente. Os que quiserem ser voluntários para a cessão de seus cérebros, para que se tornem computadores bio-neurais como eu me tornei, por favor, apresentem-se."

Reuben foi o primeiro a candidatar seu cérebro. Oito cientistas desistiram, dentre eles Iran.

Sobre o autor

Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.

Mais sobre o Cesar Brod: [ Linkedin ] | [ Twitter ] | [ Tumblr ].

Veja a relação completa dos artigos de Cesar Brod