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Memória

//Por [Cesar Brod http://www.brod.com.br///

Data de Publicação: 20 de Fevereiro de 2008

Há alguns dias fui entrevistado por nosso jornal local, o Informativo do Vale, sobre minha visão para o futuro e os projetos da Brod Tecnologia. A Andréia Rabaiolli (vulgo Pita) foi quem conduziu a entrevista. Falamos tanto que, obviamente, não coube tudo no jornal. Mas a entrevista deixou-me pensando em toda a minha carreira na área de informática e buscando onde realmente isso começou.

Acho que o bicho da tecnologia mesmo mordeu-me quando eu tinha uns nove anos e meu pai presenteou-me com um kit para a montagem de um rádio de galena. Alguns anos mais tarde, por volta de 1977, meu tio, Francisco Carlos Azambuja, o Kiko, apresentou-me a um minicomputador Polymax e ao Cobol. Lembro-me que, na época, a organização de um programa em Cobol fez muito sentido para mim. Diga-se, de passagem, sou virginiano e, assim, tipicamente metódico. Logo, um programa escrito em "divisões" de identificação, ambiente, dados e procedimentos pareceu-me o ideal para o início do meu aprendizado. O Kiko ilustrou com uma metáfora como escrever um programa em Cobol: "É preciso lembrar que, ao podermos fazer qualquer coisa dentro de uma casa, temos que saber onde ela está, esta é a sua identificação. Depois, temos que saber quais as coisas das quais podemos dispor dentro da casa, este é o ambiente. A seguir, temos que ter à nossa disposição os dados, a informação com a qual iremos lidar, para só depois podermos descrever o que fazer, quais os procedimentos a adotar quando lidamos com estas informações."

Então, vem minha sócia, a Joice, e comenta: "Como é que tu podes lembrar de todas essas coisas e até hoje não te achas na cidade de Lajeado!?". É fato! Acho que meu cérebro foi programado em Cobol e eu esgotei a capacidade de memória da minha "environment division", a divisão de ambiente. Tenho mapas mentais e uma orientação incrível nas cidades de Porto Alegre, São Paulo, Toronto, San Francisco e outras. Mas em Lajeado eu não me acho! A cidade parece ter entre seus bairros uma distorção do espaço-tempo que faz com que eu jamais consiga fazer um trajeto igual ao outro. Isto andando a pé. De carro é um pouco pior.

A divisão de identificação do meu cérebro também deve andar meio prejudicada. Lembrar nomes que aprendi recentemente é um sufoco. Associar esses nomes às pessoas certas então, nem falo. Acho que é por isso que depois de uma certa idade a gente fica com os amigos que já tem e não arruma outros novos. Seria muito nome para lembrar. Com a divisão de dados acontece mais ou menos a mesma coisa. Sou músico amador, toco meu violãozinho, mas aprender uma música nova é um sacrifício. Por isso aprendi que o melhor mesmo é conservar o velho repertório e ir mudando a platéia. Já piadas aprendi a evitar. Nunca sei para quem contei ou não uma das duas piadas que conheço e há algum tempo descobri que uma delas envolvendo a morte de um papagaio era ecológica e politicamente incorreta.

Para evitar o esgotamento da capacidade da minha divisão de procedimentos procuro não adotar muitos procedimentos novos desnecessários, para justamente sobrar espaço para uma ação rápida quando um novo procedimento for absolutamente imprescindível. Minha rotina (que é composta de várias outras subrotinas) é sagrada e está à margem do que pode ser definido como um transtorno obsessivo compulsivo. Preciso estar no aeroporto mais do que uma hora antes do embarque, mas para isso tenho que reservar meia-hora de folga para achar uma vaga no estacionamento e deixar ao menos outra meia-hora de folga no tempo de viagem de casa até o aeroporto. Ou seja, não durmo antes de qualquer viagem. Aliás, dormir já é outra rotina a ser cumprida: uma garrafa com água deve sempre estar ao lado da cama, assim como o livro da vez.

O pior é que acho que é problema de uma geração. Como o Cobol foi criado em 1959, acho que o Criador deve ter experimentado colocar essa linguagem como o padrão de programação em um grupo de testes entre os que nasceram ali pelo início dos anos sessenta. Pelo menos acho que escapei dos alfa e beta testes (ou será que esta teria sido a razão de uma disritmia que tive aos dois anos de idade?). Agora também deve ser tarde demais para querer mudar as coisas. Ao menos eu nunca recebi uma correspondência para fazer um "recall" do meu cérebro. Também, imagina pegar um monte de arquivos ISAM e converter para uma base orientada a objetos nessa altura do campeonato!

Ainda dei sorte em ter o cérebro programado em Cobol. Imagina os que nasceram lá por 90 e poucos e correm o risco de ter o cérebro programado em Java! Mas ouvi, de fonte segura, que em breve todos os novos cérebros serão programados em Arc.

Abraços ao tio Kiko, à Pita e ao mestre Rildo Pragana

Sobre o autor

Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.

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