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Mr. Gates e Mr. Da Silva

Colaboração: Pedro Doria

Data de Publicação: 09 de Novembro de 2002

Copyright: No Mínimo (http://www.nominimo.com.br), 4/11/02, Pedro Doria

"A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência mexeu com os nervos da empresa que está no cerne da revoulção tecnológica: a Microsoft. O Brasil é um dos maiores mercados sendo explorados pela companhia fundada por Bill Gates no final dos anos 70 mas, ao longo dos últimos anos, o PT vem se comprometendo com um projeto de tecnologia ligado ao software livre - antítese do que representa a Microsoft. Esta opção está marcada a tinta no programa do próximo governo federal e vem sendo executada por quase todos os governos importantes do PT, incluindo-se aí o Rio Grande do Sul, Campinas, Belo Horizonte e, agora, São Paulo.

O primeiro gesto público de aproximação veio ainda na última semana da campanha de Lula, quando levados pelo senador petista eleito Cristóvam Buarque, representantes de Gates fizeram ao então candidato um convite formal para conhecê-lo. Esta reunião, que incluiria outros altos executivos de empresas de tecnologia como HP e Sun Microsystems, pode acontecer ainda antes da posse.

O convite não ficou sem resposta. O grupo petista ligado ao software livre está organizando uma reunião paralela. Se Lula encontrar Gates, deverá encontrar, também nos EUA, gente como Richard Stallmann, presidente da Fundação do Software Livre e Linus Torvalds, criador do Linux. A idéia é mostrar que Lula conversa com todos mas não tem compromisso com ninguém em particular. Se este encontro for no Instituto de Tecnologia de Massachussets, onde Stallmann mantém seu escritório, estarão presentes também meia dúzia de homens que podem colocar em seus currículos a paternidade da Internet. Serão pesos pesados de ambos os lados.

Vai ser uma dura mudança para a Microsoft. A estatística que circula pelo Congresso Nacional é que, dado o volume da pirataria de software no Brasil, o governo representa 80% dos lucros da empresa no país. Vem sendo uma relação complicada e monopolista. A Microsoft permite a apenas uma empresa, a TBA de Brasília, as vendas para o governo, impedindo qualquer licitação por seus produtos. O software livre é, neste sentido, um competidor árduo, já que sai virtualmente de graça. O que custa é o treinamento. A experiência dos últimos meses do Serpro, ligado ao Ministério da Fazenda, parece indicar que este treino, para o usuário típico, nem é tanto assim.

Embora em seu discurso oficial a empresa que fabrica o Windows banque horror à pirataria, na prática, desde sua fundação, a relação tem sido diferente. Ela é discretamente estimulada. No início, usuários são incentivados a usar os produtos ao máximo até criar o hábito. Então, quando a base instalada ganha o vulto de milhões, como vem acontecendo no Brasil nos últimos anos, campanhas contra pirataria, que incluem pesadas multas contra empresas que podem levá-las ao fechamento, são movidas. O objetivo é transformar o monopólio adquirido em lucro. Daí a distorção em ter no governo seu maior cliente.

Virada estratégica

No último mês, a Microsoft fez uma mudança radical de rumos em sua estratégia mundial. Colocou o Linux, e com ele todo o movimento do software livre, como inimigo primordial. A mudança foi representada por um email enviado pessoalmente por Bill Gates a todos os funcionários da empresa - na última vez que isso aconteceu, em meados da década de 1990, Gates cobrava de todos como compromisso prioritário com a Internet.

Nesta nova mensagem, o presidente da Microsoft informou a todos que a empresa precisava lidar com a questão da segurança. Seus softwares nunca foram seguros. Têm falhas mil no código que permitem a rápida infecção por vírus ou intrusão de hackers. Se isso, no entanto, nunca havia servido de obstáculo, nos últimos dois, três anos, após prejuízos monumentais, muitas empresas têm-se voltado para o padrão Linux.

Segundo Gates, entre incluir uma novidade num software e corrigir um problema, passa-se a priorizar a solução do problema. É uma mudança radical de cultura. Parte da estratégia da empresa foi sempre produzir novas versões de seus programas, todas com muitas novidades, permitindo-lhe vender um Word novo para quem já comprou a toda hora. Isso, mesmo que nada das novidades viessem a ser usadas por muita gente.

Em um ou dois anos, isso quer dizer que os softwares da Microsoft serão melhores - mas não resolve o problema de hoje, nem muitos dos outros de amanhã. Aí entra a crescente diplomacia à qual a empresa tem-se dedicado. Depois que no governo democrata de Bill Clinton viu-se quase condenada à cisão, por conta de práticas que, entendeu na época a Justiça norte-americana, violavam a legislação anti-truste daquele país, a empresa passou a investir nos relacionamentos com os governos.

Por conta, seu presidente mundial, Steve Ballmer, vem visitando países e encontrando-se com governantes. Esteve com o presidente Fernando Henrique em 2001. Além disto, em abril último convidou políticos proeminentes de todo o mundo para uma grande conferência de líderes mundiais em Seattle a fim de discutir o uso da tecnologia nos governos. Entre os agraciados com o convite estava Cristóvam.

O uso na educação

O ex-governador do Distrito Federal esteve a sós com Ballmer na época, quando conversaram a respeito do uso de tecnologia para educação. Cristóvam saiu bem impressionado do encontro. Ele, que é um dos mais importantes nomes do PT na área da educação, é pai do projeto Bolsa Escola que foi encampado pelo governo FH. Seu nome, junto com o do físico carioca Luiz Pinguelli Rosa, é um dos mais cotados para assumir o MEC.

A relação de informática com educação vem sendo pesadamente questionada nas últimas semanas, após um estudo israelense indicar que o computador na sala de aula às vezes até distrai o aluno do real ensino. Há que se levar em conta, no entanto, a crucial diferença entre Israel - e por conseqüência a Europa, onde o estudo está sendo levado a sério - com o Brasil. Lá, as crianças têm computador em casa. Daí volta à tona um dos mais importantes projetos que se viram frustrados na administração do ministro Paulo Renato: o do FUST, que pretende levar computadores a todas as escolas públicas do país.

Na época, no segundo semestre de 2001, o MEC decidiu que os computadores deveriam rodar, todos, o Windows da Microsoft. O projeto terminou alvo de uma investigação por parte do Ministério Público, dado que se as máquinas rodassem Linux, poderiam ser compradas em dobro. Os deputados federais Walter Pinheiro (PT-BA) e Sergio Miranda (PCdoB-MG) terminaram por aprovar uma emenda que forçava, também e no mínimo, a instalação do Linux.

Independentemente da óbvia vantagem do preço, a bancada do software livre no Congresso, que tem em seus líderes Pinheiro e Miranda, apresenta um argumento sólido mas de difícil compreensão: o código aberto. Quando escrito, um programa é literalmente redigido numa linguagem e só no fim deste processo é que ele é transformado num executável, algo que a máquina compreenda. Esta primeira versão, compreensível por pessoas, no caso dos softwares livres, é igualmente pública. No caso da Microsoft, não, ela é considerada informação privilegiada de domínio privado.

Numa análise geral, isso quer dizer que um técnico nunca sabe exatamente o que um programa da Microsoft faz. Ele pode - e o caso é real - enviar informação a respeito do usuário para os computadores da empresa, nos EUA, sem que o mesmo usuário jamais desconfie. Um perigo quando se pensa numa máquina que lida com informações secretas do governo - e um dos motivos alegados por governos nos quatro cantos do mundo para adotar o Linux.

Mas há uma questão mais sutil. Quando Bill Gates ainda era um menino maravilhado com tecnologia, no início dos anos 1970, ele aprendeu a fazer seus pequenos milagres digitais usando um computador cedido gentilmente por uma universidade. Neste computador, ele tinha acesso não apenas aos programas prontos, mas também aos esqueletos deles. Lendo o código escrito por outros para os computadores é que entendeu seus processos. Jovens Bill Gates aparecem em todas as classes sociais - dependem, apenas, de ter a mesma oportunidade: acesso a computadores e ao código de seus programas.

A alegação do MEC era, e continua sendo, que os sistemas da Microsoft são o padrão do mercado. Alunos educados com seus sistemas, no entanto, aprendem no máximo a ser operadores de Excell ou PowerPoint - não têm muito como fuçar as entranhas e descobrir seus segredos, quanto mais condições de sonhar com vôos altos. O Brasil já cometeu este erro uma vez.

Veja-se o exemplo da Índia. Enquanto aqui o país jogou no alto os impostos dos computadores, nos anos 80, para estimular a produção interna de máquinas, a Índia jogou para baixo. Taxou caro apenas o software. O resultado foi uma legião de meninos brilhantes que hoje ocupam cargos entre os altos executivos de, sem exceção, todas as grandes empresas de tecnologia. Incluindo a própria Microsoft.

O encontro com Bill Gates

Não serão poucas as pressões que o presidente-eleito Lula vai enfrentar para lidar com a chaga da exclusão digital, que ameaça, a cada turma formada, mais uma geração de brasileiros. Aprende-se a lidar profundamente com computador ainda criança, não depois. O Brasil precisará de todos os parceiros com os quais pode contar. E Bill Gates, não apenas através da Microsoft, mas também de sua Fundação, é um parceiro precioso.

Lula confirma, apenas, sua viagem à Argentina. Mas dentro do PT já se lida abertamente com a possibilidade de uma viagem aos EUA anterior à posse, para o encontro com o presidente George W. Bush. Além de um gesto de boa vizinhança, é uma maneira discreta de reiterar que ele não é um ditador como Fidel Castrou ou, a seu modo, Hugo Chávez.

Aproveitar a passagem para visitar Gates e os outros líderes da indústria digital, na análise do PT, produzirá boas fotos para o consumo interno de Wall Street - distanciando-o da maneira como Castro, por exemplo, lida com Internet. O outro encontro, com os principais líderes do software livre, também não fará nada feio. Ambos formam um compromisso com tecnologia e reiteram o interesse do Brasil.

E, se Cristóvam está ligado à Microsoft, Pinguelli comandou no governo de Benedita da Silva, no Rio, o início da mudança para o software livre. O mercado de capitais pode estar de olho em quem ocupará a Fazenda e o BC. O de tecnologia está louco para saber quem ficará com o MEC."

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